O modo como Clarice Lispector tratou da infância é o objeto de estudo de Mell Brites em As crianças de Clarice, obra publicada pela Editora Unicamp. Para compor o livro, a autora mergulha em uma seleção de contos para o público adulto e nos livros infantis de Clarice.
Mell Brites é Editora Executiva da divisão infantil do grupo Companhia das Letras, doutoranda em letras pela Unesp-Assis e mestra em literatura brasileira pela USP, com pesquisa sobre a infância e os livros infantis de Clarice Lispector.
Para compreender as diferentes visões da infância presentes na obra de Clarice Lispector, Brites cria dois eixos de análise: o primeiro perpassa os contos Restos do Carnaval, Cem anos de perdĂŁo, Felicidade clandestina e Os desastres de Sofia, voltados aos leitores adultos; e o segundo foca nos livros A mulher que matou os peixes, O mistĂ©rio do coelho pensante e A vida Ăntima de Laura, passando tambĂ©m de forma mais breve por Quase de verdade e Como nasceram as estrelas, todos direcionados ao pĂşblico infantojuvenil.
Na primeira parte, Brites observa que, por meio de narradoras em primeira pessoa, Clarice usa como parte do material ficcional passagens de sua própria infância, vivida em Recife. Enquanto, na segunda parte, as narradoras — muitas vezes caracterizadas como mães, escritoras e até de nome Clarice — estabelecem conversa com o leitor, utilizando-a como fio condutor da narrativa.
Nos contos adultos, as personagens se sentem isoladas, habitando um cenário em que parece haver pouco espaço para a infância, e a felicidade se manifesta por meio da entrada em um mundo de fantasia ou pela experiência do despertar da sexualidade. Já nos livros infantis, as narradoras adultas, cientes das dores inerentes à vida, buscam criar para o interlocutor um ambiente seguro, acolhedor e aconchegante.