🔓 Magnífico trabalho

05/05/2011

Fenomenologia da obra literária, de Maria Luiza Ramos, chega a sua quarta edição com uma mudança de orientação. Onde antes tínhamos Roman Ingarden, agora temos Martin Heidegger. O livro é um clássico no que diz respeito à teoria literária. Nessa edição, a professora Maria Luiza apresenta a contribuição da filosofia, da fenomenologia para ser mais exato, aos estudos literários. Acabo de alertar para a mudança de rumo da versão atual, anteriormente guiada por Ingarden/Husserl, agora segundo a orientação de Heidegger, mas sob o mapa de Husserl.

Roman Ingarden, em A obra de arte literária, baseia seu estudo acerca da análise da obra literária na fenomemologia de Husserl. Segundo essa fenomenologia, tudo o que existe é reduzido à consciência, pois esse é o único meio que nos permite perceber e conhecer o mundo. Desse modo, a consciência dá sentido a tudo o que existe. No que diz respeito à análise literária, olha-se exclusivamente para a obra, desconsidera-se se tudo o mais: biografia do autor, aspectos psicológicos, subjetividade do leitor, etc. A análise se resume à estrutura do texto, que é dividido em estratos, unidades de significação, objetividade, aspectos esquematizados. No entanto, é impossível analisar esses aspectos individualmente, sem prejuízo da unidade textual.

Heidegger, além de discípulo de Husserl, era considerado por este como seu filho-substituto (perdera o filho mais moço na guerra em 1916), trilhou caminho diferente. Imaginava uma fenomenologia que mostrasse o que se esconde. Heidegger entendia que fenomenologia não seria a construção do pensamento, e sim um trabalho de desconstrução de encobrimentos.

Maria Luiza Ramos segue à risca essa orientação e descobre, desvenda, obras representativas da literatura brasileira. Sim, nada é definitivo, não implica você passar a ler, entender, interpretar conforme os ensinamentos da professora.

Se, grosso modo, fenomenologia é consciência e, segundo Heidegger, deve mostrar o que está escondido, o resultado fiel é este Fenomenologia da obra literária. A autora consegue descobrir e mostrar aquilo que se esconde inclusive nos poemas de Haroldo de Campos e Décio Pignatari.

Mas não se resume à análise dos poemas da dupla, sempre levando em consideração o contexto histórico, o que não se percebe na fenomenologia de Ingarden. Maria Luiza traz Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e, você já deve ter percebido, embora priorize a poesia, o espaço concedido à análise de obras de Machado de Assis e Guimarães Rosa vale o livro. Sobre Machado, breve exemplo: “Quando dizemos, porém, Capitu, não podemos atribuir a esse objeto uma caracterização existencial, mas tão somente uma posição existencial. No entanto, é claro que podemos dizer Capitu referindo-nos expressamente à personagem de Machado, e neste caso o nome vai adquirir caracterização existencial através da obra do escritor.”

Caro leitor, se a princípio o termo fenomenologia causa estranheza, não permita que também seja o causador de seu desânimo. A curiosidade não nos distingue da maioria dos animais, mas é capaz de nos proporcionar inesquecíveis sensações. Permita-se a curiosidade e leia esse magnífico trabalho de Maria Luiza Ramos.

 

Rascunho