🔓 Livre do passado

Exclusivo no site
“Manter-se preso a um estilo significa ficar preso ao passado.”
28/08/2013
“Manter-se preso a um estilo significa ficar preso ao passado.”
“Manter-se preso a um estilo significa ficar preso ao passado.”

Patrícia Melo, ao longo de quase vinte anos de carreira, deixou sua marca na literatura brasileira tratando do lado mais perverso e patológico da condição humana — a violência. Com uma prosa urbana que vai além da problemática social, Patrícia busca as mais dicotômicas unidades da violência, examinando não apenas o ato em si, mas, sobretudo, os aspectos psíquicos de suas personagens, do morro à classe média urbana.

Com nove livros publicados — Acqua toffana, Elogio da mentira, Inferno (Prêmio Jabuti) e Escrevendo no escuro —, seus títulos ganharam traduções mundo afora, notoriedade e prêmios, como no caso de O matador (prêmios Deux Océans, na França, e Deutscher Krimi Preis, na Alemanha), adaptado também para o cinema (O homem do ano) em 2003. Seu último livro, Ladrão de cadáveres (2010), encontra-se no topo da lista de melhores romances segundo o jornal alemão Die Zeit, e recentemente foi premiado com o LiBeraturpreis.

Na entrevista a seguir, Patrícia Melo fala sobre sua trajetória, as mudanças em seu fazer literário e seu próximo livro.

• Existe uma diferença de público e crítica com relação aos seus livros lá fora e no Brasil?
De público, não. Mas de crítica, sim. Santo de casa não faz milagre, não é isso que se diz? Às vezes, tenho a sensação de que estou sempre lendo a mesma crítica sobre o meu trabalho: a influência de Rubem Fonseca, a escritora de romance policial. Como se eu não tivesse percorrido um longo caminho, como se não tivesse minha própria dicção, como se minha literatura se restringisse ao universo do romance negro. Na Alemanha eu sou uma autora vista sem preconceitos. Isso muda tudo.

• Em uma entrevista, você falou que boa parte dos estrangeiros ainda têm uma visão arcaica de nossa literatura, reduzindo-a aos gêneros regionalistas e clichês tropicalistas. O que mudou com relação ao olhar de fora, já que editoras estrangeiras se interessam mais por nossa literatura e talvez nunca se tenha exportado tanto autores brasileiros contemporâneos?
O Brasil mudou muito. Ganhou visibilidade por conta da sua performance econômica nos últimos anos. Mas a literatura brasileira ainda é pouco conhecida. E ainda se pensa em clichês quando se fala dela. Veja o cartaz da Feira de Frankfurt, cujo tema será o Brasil: é a imagem de um cachorro-passista de escola de samba. Essa é nossa imagem lá fora. Por outro lado, há mais interesse pelos autores brasileiros. O fato de a Granta, uma das maiores revistas literárias do mundo, fazer uma edição brasileira é prova disso.

• Sua experiência anterior como roteirista ajudou em seu encontro com a literatura?
Em um determinado período, sim. Bem no início. Hoje, não. Na verdade, perdi o encanto pelo cinema. Não gosto mais de escrever para televisão. Adoraria ver, por exemplo, o Mundo perdido adaptado para TV. Mas o que gosto de fazer é ficção. E a minha experiência passada já não conta quase nada, embora minha literatura continue sendo cheia de imagens.

• Você estreou na literatura em 1994 com Acqua toffana. Desde então, já foram nove títulos publicados (uma novela, sete romances e um livro de contos). O que mudou em seu fazer literário?
Muita coisa mudou. Eu era uma garota, como disse Philip Roth, “armada de tempo até os dentes”, e isso significava uma total liberdade na escritura. Hoje eu tenho nove livros nas costas, casei, separei, casei de novo, já tenho a experiência do fracasso, a experiência do sucesso, sou mãe, estou mais velha, menos ansiosa e, sobretudo, mais equipada emocionalmente para a longa travessia que é a criação de um romance. Claro que tudo isso mudou a minha maneira de escrever. Você muda, sua literatura muda. Manter-se preso a um estilo significa ficar preso ao passado. Por outro lado, a cidade pulsante é um personagem constante da minha literatura. Meus temas estão sempre rodeando a morte. Meus personagens estão sempre no limite.

• O que lhe fascina ao escrever sobre o deplorável da condição humana?
Acho que não é “fascínio” a palavra. É espanto. Eu tento entender esse bicho selvagem que é a cidade, o que ela faz conosco.

• Seus livros possuem um ritmo conciso, direto e próximo ao cinematográfico. Você tem interesse ou já foi procurada para adaptar outras de suas obras para o cinema, como foi o caso de O matador com o filme O homem do ano?
Uma dos críticos alemães disse que Ladrão de cadáveres é um livro que só está à espera dos irmãos Cohen. Acho realmente que ele poderia ser adaptado para cinema. É uma história insólita, com um humor triste, se é que isso existe.

• Um livro de cabeceira, e por que esse livro.
De tempos em tempos, eu mudo o livro de cabeceira. Agora é Thomas Bernhard. A literatura dele é pedra e aço.

• Como avalia nossa literatura atual? Existe algum escritor dessa nova safra que a tenha entusiasmado?
Tem muita gente boa. Mas no momento estou acabando de escrever um romance, não dá para ler muito. Resolvi fazer jus ao rótulo que me deram de escritora policial. Estou quase acabando de escrever meu primeiro romance noir. Agora faz mais sentido me chamarem de escritora policial.

Rascunho