🔓 Ilíada

Rafael Campos Rocha indica a leitura do clássico de Homero
10/12/2012

“Eu me lembro da minuciosa descrição dos guerreiros perfilados, vislumbrados da muralha troiana. Do gigantesco Ajax, do cruel Agamêmnon, de Odisseu espadaúdo. Das Rótulas arrancadas, omoplatas partidas, sangue negro, rostos no pó. De Odisseu inventando a retirada estratégica (“não temes uma lança nas costas?”, brada um conservador), do arrogante Aquiles matando seu fiel servidor que lhe trouxera a notícia de seu amante morto. De sua fúria e perseguição ao valente Heitor. Sete voltas em torno das muralhas de Tróia antes de tombar pela espada do Aqueu. E de Príamo, no berço da noite, beijando as mãos do homem que havia assassinado o seu filho, implorando para que pudesse sepultar seu corpo. Do ardiloso Odisseu vencendo as muralhas troianas, de suas mulheres violentadas, suas posses usurpadas e seus templos desonrados. Do fim brusco da leitura: a cremação corpo de Aquiles, assassinado por Páris. Do selvagem, violento e ultrapassado Aquiles sendo substituído pelo racional e astuto Odisseu. Do Deus substituído pelo herói, que ainda não foi substituído por ninguém. Também me lembro da neblina que os deuses lançam sobre os olhos dos mortais, para confundi-los. Deve se chamar memória.”


Rafael Campos Rocha é quadrinista, autor de Deus, essa gostosa. Vive em São Paulo (SP).

Rascunho