šŸ”“ Exposição revela conexƵes de Clarice Lispector com as artes plĆ”sticas

ā€œConstelação Clariceā€, organizada pelo Instituto Moreira Salles, tambĆ©m inclui aproximadamente 300 itens, como manuscritos, fotografias e cartas
Clarice Lispector em Virginia, nos Estados Unidos, em 1955. Foto: Acervo Literário de Erico Verissimo/Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro
21/10/2021

Clarice Lispector Ć© um dos fenĆ“menos mais ā€œestranhosā€ da literatura. Sua obra nĆ£o tem nada de popular, sua escrita Ć© repleta de signos complexos e as tramas de seus livros tambĆ©m podem ser classificadas como ā€œesquisitasā€. Ainda assim, tudo em relação ao seu nome gera comoção — seja nas redes sociais, na vida real, no Brasil ou no exterior.Ā  Ā 

A partir deste sÔbado (23), o fenÓmeno Clarice serÔ colocado à prova novamente. A exposição Constelação Clarice, promovida pelo Instituto Moreira Salles, na sede da Avenida Paulista, em  São Paulo, faz uma retrospectiva da vida e da obra da autora nascida na Ucrânia, que chegou ao Brasil ainda criança com a família. A entrada é gratuita, com agendamento prévio pelo site. A exposição vai até 27 de fevereiro.

No embalo da mostra, a Rocco lança As palavras e o tempo, que reúne mais de 4.500 frases de Clarice Lispector. A edição traz ainda ilustrações da neta da autora, Mariana Valente. A seleção inclui desde trechos de romances, contos e crÓnicas, até cartas e anotações pessoais.

Foto: Acervo Clarice Lispector IMS

Conceito
Constelação Clarice havia sido pensada para o centenÔrio de nascimento da escritora, mas com a pandemia, a mostra ficou para 2021. O conjunto da exposição reúne aproximadamente 300 itens, incluindo manuscritos, fotografias, cartas, discos e matérias de imprensa, entre outros documentos do acervo pessoal da autora.

O conceito da exposição se baseia na relação de Clarice com as artes plÔsticas, um diÔlogo que era constante em sua obra. Daí a curadoria ter pensado em obras de artistas contemporâneas de Clarice para guiar a mostra.

São cerca de 20 artistas visuais mulheres, que atuaram na mesma época de Clarice, entre as décadas de 1940 e 1970. No conjunto, hÔ trabalhos de Maria Martins, Mira Schendel, Fayga Ostrower, Lygia Clark, Letícia Parente, Djanira e Celeida Tostes, entre outras.

DiƔlogo
ā€œClarice era muito ligada Ć s artes plĆ”sticas, em vĆ”rios de seus livros hĆ” referĆŖncias a essa manifestação artĆ­sticaā€, diz em entrevista ao Rascunho a escritora Veronica Stigger, que junto com o poeta EucanaĆ£ Ferraz assina a curadoria da mostra.

ā€œPor exemplo, G. H. [personagem do romance A paixĆ£o segundo G. H.), Ć© uma escultora. VirgĆ­nia, do romance O lustre, gostava de fazer bonecos. E hĆ” muitas outras conexƵes que o pĆŗblico vai encontrar em relação a esse diĆ”logoā€, explica Veronica, que comeƧou trabalhar com a obra de Clarice ainda 2016, quando preparou a curadoria de uma exposição do acervo do Museu de Arte Moderna de SĆ£o Paulo (MAM).

E, claro, a curadoria tambĆ©m trabalhou com ā€œconceitosā€ presentes tanto nos livros de Clarice quanto nas obras selecionadas para a mostra. Na entrada da exposição, o pĆŗblico encontrarĆ” a escultura CalendĆ”rio da eternidade, da artista Maria Martins, que tambĆ©m participa da exposição com outros trabalhos. De formato circular, a obra remete Ć  ideia de continuidade, tema presente na produção de Clarice.

Em 11 núcleos, são apresentados trabalhos em diversos suportes, como escultura, pintura, desenho, fotografia e vídeo. As obras das artistas estão sempre em diÔlogo com trechos de textos de Clarice.

ā€œOníricoā€, 1950, óleo sobre tela, 70,5×89,5 cm. Foto: Vicente de Mello/Coleção particular, Rio de Janeiro

A seção ā€œTudo no mundo comeƧou com um simā€, por exemplo, parte de uma frase do romance A hora da estrela, de 1977. O nĆŗcleo aborda o tema da origem, que Ć© recorrente na obra da autora, evocado por imagens como a do ovo e da caverna.

ā€œA obra de Clarice tambĆ©m fala muito sobre a casa como um lugar de estranhamento. Essa Ć© a concepção do nĆŗcleo ā€˜Eu nĆ£o cabiaā€™ā€, diz Veronica. LĆ” estĆ£o obras como Caixa de fósforos, de Lygia Clark, o vĆ­deo Eu armĆ”rio de mim, de LetĆ­cia Parente, e tambĆ©m pinturas coloridas de Wanda Pimentel e Eleonore Koch, que apresentam uma casa estranhamente vazia, por vezes vista pelas frestas.

Clarice pintora
Outro seção que promete atrair a curiosidade do pĆŗblico, Ć© a que traz pinturas assinadas pela escritora. SĆ£o 18 trabalhos, produzidos entre 1975 e 1976, sem pretensĆ£o profissional — Clarice nunca expĆ“s as obras. Nos quadros, Ć© possĆ­vel identificar algumas recorrĆŖncias, como o tratamento gestual e a predileção tambĆ©m pela circularidade.

ā€œClarice era uma artista interessante tambĆ©m, muito preocupada com a matĆ©ria e com a experimentação. Ela usava materiais como esmalte de unha, caneta, vela, madeira. Tinha um olhar para o suporteā€, diz a curadora.

Documentos
Nos dois andares da mostra, hÔ ainda núcleos documentais, com itens que pertenceram à escritora, como cartas, diplomas, discos, mÔquinas de escrever e fotografias dos Ôlbuns de família. Neste conjunto, destacam-se os quadros de sua coleção, entre os quais seu famoso retrato assinado pelo artista Giorgio de Chirico.

Entre as fotografias, estÔ um registro de Clarice tirado pelo romancista Erico Verissimo, na década de 1950, em Washington. O material inclui também as primeiras edições dos livros da autora, periódicos, além da entrevista que a escritora concedeu à TV Cultura, meses antes de sua morte, em 1977.

A maioria dos itens exibidos provém dos arquivos do IMS e da Fundação Casa de Rui Barbosa, instituições que detêm o acervo da escritora, e da coleção pessoal de seu filho, Paulo Gurgel Valente.

Rascunho

O Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crÓnicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

Rascunho