🔓 Clássico surrealista de Julien Gracq ganha nova edição no Brasil

“O litoral das Sirtes”, romance cultuado de um dos mais importantes escritores franceses do século 20, teve inspiração em “Os sertões”, de Euclides da Cunha
Julien Gracq, autor de “O litoral das Sirtes”
26/09/2022

Uma narrativa onírica combinada a paisagens fantasmagóricas, às vezes assustadoras, constrói o cenário mágico de O litoral das Sirtes, romance considerado unanimemente a obra-prima de Julien Gracq (1910-2007), um dos principais e mais discretos escritores franceses do século 20.

O lançamento da Carambaia, com tradução de Júlio Castañon Guimarães, traz de volta ao mercado editorial brasileiro um escritor há muito ausente, mesmo tendo, à sua época, chamado a atenção de leitores ilustres, como o crítico Antonio Candido. O litoral das Sirtes foi publicado na França em 1951, quando as tendências dominantes da literatura do país eram o existencialismo e o nouveau roman. A obra de Gracq, contudo, não guardava relação com essas correntes, aproximando-se da tradição surrealista.

O protagonista de O litoral das Sirtes é Aldo, filho de uma família aristocrática do país fictício de Orsenna, cidade-Estado governada por uma Senhoria, instância assemelhada a um conselho de notáveis. Orsenna, que vive um cotidiano de morosa decadência, se encontra há três séculos em guerra com uma nação vizinha, o Farghestão. De tão longo, o conflito estacionou em uma situação de paz virtual. No braço de mar que separa os dois estados, os barcos não ousam passar de uma linha imaginária a boa distância do inimigo.

Num importante ensaio intitulado Quatro esperas, Antonio Candido inclui O litoral das Sirtes num conjunto de obras de outros escritores (Dino Buzzati, Franz Kafka e Konstantinos Kaváfis) em que a estagnação é elemento central. Para o crítico, há nelas uma atmosfera de “expectativa de perigos iminentes, quase sempre com suspeita de catástrofe”.

Sobre o romance de Gracq em particular, Antonio Candido escreve que “a narrativa insinuante e opulenta, flutuando entre imagens carregadas de implicações, escorre como um líquido escuro e magnético no rumo de catástrofes possíveis, à vista de um horizonte selado pela morte”.

O litoral das Sirtes guarda ainda outra relação com o Brasil. Numa entrevista no fim da vida, Gracq revelou que uma das fontes de inspiração para o romance foi Os sertões, de Euclides da Cunha, para ele um livro “que é uma aplicação, avant la lettre, das potencialidades do surrealismo”. Além de Euclides, Gracq era admirador devoto de escritores inclinados ao gênero fantástico como Edgar Allan Poe, Jules Verne e J.R.R. Tolkien.

Julien Gracq era o pseudônimo de Louis Poirier, nascido em Saint-Florent-le-Vieil, no noroeste da França. A primeira obra publicada de Gracq foi o romance O castelo de Argol (1938), dedicado ao pai do surrealismo, André Breton, que viria a ser o tema de um livro inteiro de Gracq em 1948. Um ano antes de O litoral das Sirtes, Gracq publicou A literatura no estômago, uma dura crítica à ingerência de assuntos comerciais no mundo literário.

Apesar de seu apreço pela reclusão, Gracq provocou grande repercussão ao recusar o Goncourt, principal prêmio literário francês, por O litoral das Sirtes, em coerência com as críticas expostas em A literatura no estômago. Gracq deixou de escrever ficção depois de 1970, passando a publicar volumes de memórias, anotações e fragmentos.

O litoral das Sirtes
Julien Gracq
Trad.: Júlio Castañon Guimarães
Carambaia
304 págs.
Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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