🔓 Cine privê

02/11/2012

Considero Cine privê, de Antônio Carlos Viana, um dos livros mais importantes que li nos últimos três anos. Lançado em 2009, revela um autor maduro, de linguagem inconfundível que, aliás, mantém intactos alguns traços característicos de Aberto está o inferno, sua obra anterior, ou de seus livros iniciais, tais como O meio do mundo e outros contos ou Em pleno castigo. Entre eles uma abordagem sincera, comovente, muitas vezes crua e cruel da realidade de pessoas comuns, acossadas por seus dramas mais íntimos que são expostos de modo particularmente objetivo. Ou vistos com a objetividade de uma câmera onde nenhum fotograma poderá ser desprezado. Nesses 20 contos, o leitor se transforma em espectador, podendo enquadrar com extrema intensidade o que cada um de seus protagonistas revela no submundo de suas emoções e ações. Assassinatos, loucura, sexo, amor, miséria e morte nos chegam através de uma linguagem simples, paradoxalmente narrados com uma complexa técnica que consiste em transferir seu leitor para o lugar privado de quem acompanha os fatos, ora através do fluxo de consciência, ora com um distanciamento providencial de quem espia de ângulo privilegiado as derrotas, as lutas de cada personagem em cenas pungentes. Se, como diria Sartre, o inferno são os outros, Cine privê revela nossa impotência diante das tragédias humanas às quais — como no teatro — nos resta assistirem, resgatar e purgar como aprendizado particular e literário através desse contista definitivo que se esconde em Aracaju, mas que a Companhia das Letras e a Flip 2009 se encarregaram de revelar ao Brasil.

 

 

 

 

Suzana Vargas é escritora e diretora da Estação das Letras. Mestre em Teoria Literária pela UFRJ, é pesquisadora da Fundação Biblioteca Nacional e especialista em leitura. Poeta, ensaísta e autora de literatura infantil e juvenil, já publicou Leitura: uma aprendizagem de prazer, Caderno de outono e outros poemas e O amor é vermelho. Vive no Rio de Janeiro (RJ).

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