🔓 Biografia de um amor

30/04/2013

 

Jorge Amado e Zélia Gattai
Jorge Amado e Zélia Gattai

José Castello, que assina a orelha da nova edição de Memorial do amor & Vacina de sapo, diz que Zélia Gattai escreveu os dois livros ciente de que escrevia apenas um. Castello tem razão. O intervalo entre eles pode ser somente o de um capítulo de telenovela para o do dia seguinte.

Este é um romance de memórias: a novela da vida real do casal Jorge e Zélia a partir da compra de terrenos para construção da casa na rua Alagoinhas, 33, no bairro do Rio Vermelho, em Salvador, Bahia. Está tudo ali, desde telegramas e cartas enviadas por Jorge Amado até as duas lagartixas que moravam atrás de um quadro de Di Cavalcanti, em cima da TV da sala.

A primeira parte é de fato um memorial dos quarenta anos vividos na casa. A segunda, Vacina de sapo e outras lembranças, remete à teoria do grau zero da literatura, do francês Roland Barthes: todo o conjunto de uma obra-prima literária caminha para o silêncio de quem a criou. A cada capítulo, Zélia Gattai, como uma felina, passeia seu olhar em torno da vida ao seu redor. E vê Jorge Amado cada vez mais perto do silêncio.

Saudade
É uma pluma a passear pelo singelo. Um reencontro com um álbum de fotografias. Os títulos dos capítulos são simples, de um “realismo cotidiano”, por mais redundante que possa parecer a expressão. A autora se funde com uma biógrafa: uma biografia não da vida e da obra de Jorge Amado, mas de um amor. Um amor que, sem pieguice, retrata lembranças, entre elas as homenagens das escolas de samba do Rio e dos blocos de carnavais de Salvador ao eterno criador de tipos brasileiros. Tipos, e aqui vou me desfazer da necessidade de citar os nomes. A obra tem o tom das histórias infantis, sem moralismo no final. Crônicas diárias que Zélia poderia perfeitamente ter concebido para uma coluna de revista.

Mas o que se confirma mesmo é a teoria de Barthes, do silêncio absoluto. Todas as tentativas da volta das palavras foram vãs. Nem o índio Raoni (que saiu da casa dos Amados com cinqüenta reais no bolso, assustado com o marca-passo do escritor), nem o pai-de-santo Luiz da Muriçoca, possuído pelo Exu Sete Pinotes, com seu ebó, nem o Hospital Sarah Kubitschek, nem o Cigano Andaluz conseguiram reverter o sentido do que parece ser um fato: a teoria do marco zero da literatura. Quando se narra tudo, a contagem passa a ser negativa e crescente rumo ao marco zero. Que não é menor que menos um, mas também não é maior que um. A nova edição nos mata a saudade de um dos nossos maiores e brilhantes escritores.

Rascunho