Trinta anos depois de ter se tornado – à força, com uma arma apontada para sua cabeça – um dos principais personagens de uma das incursões criminosas da tristemente célebre Operação Condor, o jornalista Luiz Cláudio Cunha, gaúcho radicado em Brasília, reescreveu a mais importante reportagem de sua vida.
Começou então a rabiscar o livro que acabou se transformando num monumental documento de quase 500 páginas, letras miúdas, sobre o misterioso desaparecimento de um casal de uruguaios – militantes de um partido proscrito – que morava em Porto Alegre.
A história começa em novembro de 1978, quando Cunha, chefe da sucursal de Veja em Porto Alegre, recebe um misterioso telefone de São Paulo relatando o desaparecimento de um casal de uruguaios: Universindo Diaz (27 anos), Lilian Celiberti (29) e seus dois filhos, Camilo (8) e Francesca (3).
Mesmo incrédulo, o jornalista vai ao endereço indicado em companhia do fotógrafo J.B. Scalco. Lá os dois são recebidos pela mulher que teria desaparecido e por alguns homens armados. Vários deles brasileiros.
Começaria ali um trabalho jornalístico que, dois anos depois, levaria os órgãos de segurança do regime militar, até então intocáveis, à barra dos tribunais pela primeira vez. E chamaria a atenção internacional sobre o Uruguai, uma das mais sangrentas ditaduras do continente naqueles tempos.
No livro recém-lançado – Operação Condor: O seqüestro dos uruguaios – uma reportagem dos tempos da ditadura (L&PM, 2008) – Cunha mostra com grande riqueza de detalhes o desdobramento das intrincadas investigações jornalísticas que vão apontando, um a um, os integrantes da quadrilha armada que haviam recebido os dois repórteres num modesto apartamento da bucólica rua Botafogo, em Porto Alegre.
O incompreensível desaparecimento dos uruguaios e seu ainda mais surpreendente aparecimento do outro lado da fronteira era, na verdade, uma ação clandestina da Operação Condor, engendrada pelas ditaduras do Cone Sul para eliminar adversários radicados em países vizinhos. O trabalho da imprensa impediu que Lílian, Universindo e as crianças fossem assassinados, como era comum na época.
Vazado num estilo límpido, nervoso, freqüentemente irônico, Operação Condor. O Seqüestro dos Uruguaios – Uma Reportagem dos Tempos da Ditadura tem a pegada de um best-seller de ação e aventuras. É leitura envolvente. É difícil largar o livro, cujos capítulos vêm encaixados à perfeição: as ágeis aberturas e os fechos irônicos se engrenam de tal modo que o interesse do leitor não cai por um só instante.
Na verdade, Cunha transcendeu em muito a meta traçada inicialmente. Pela grande quantidade de informações e pelo detalhado retrato dos personagens, o livro se transforma em obra-chave para a compreensão de um período dramático do regime de força. Tempos em que a ala militar que pregava a distensão, sob o comando de Geisel, começava a encurtar o espaço da “linha dura”, a turma barra-pesada da tortura e do assassinato de presos políticos.
O clima irrespirável da ditadura exala das páginas do livro de Cunha que, sem dúvida, vai entrar para a bibliografia obrigatória dos que querem estudar o Brasil dos “Anos de Chumbo”, ao recriar o clima de medo, paranóia e violência estatal que marcou uma geração de brasileiros.