🔓 As múltiplas cores do arco-íris

Resenha de “Ninguém mata o arco-íris”, de José Cândido de Carvalho
24/07/2013

Não queria voltar ao assunto de grandes escritores que tiveram larga experiência no jornalismo cultural. É que Ninguém mata o arco-íris, de José Cândido de Carvalho — em nova edição pela José Olympio —, lembra muito Retratos parisienses, de Rubem Braga.

Cândido de Carvalho foi grande escritor, assim como Braga. Sua maior obra é o romance O coronel e o lobisomem, adaptado duas vezes para o cinema (1978 e 2005) e uma para a TV (1994). E, como o cronista, Zé Cândido ganhou a vida trabalhando em jornal. Seu Ninguém mata o arco-íris é parecido com o de Braga por também se tratar de um apanhado de entrevistas e perfis de grandes artistas publicados na imprensa.

Só que no caso do livro em questão, os trinta e cinco retratos (o termo alinha ainda mais a semelhança com o livro de Rubem Braga) são todos de personalidades brasileiras — o oposto de Retratos parisienses, em que todos os perfis são de artistas estrangeiros.

O autor de O coronel e o lobisomem sabia o que fazia ao produzir para a imprensa. Seus perfis são de uma clareza e de linguagem diferente da que o autor empregou em seu romance mais famoso. Neste, o floreio da linguagem é que dá tônica especial à história; já nos retratos, a tônica é enxuta. E, como diz o autor, enquadrada em 3X4. Vejamos isso em alguns dos pequenos abres que Zé Cândido escreveu para os entrevistados:

Corre mais do que Jairzinho e ganha tanto como Pelé. Suas chuteiras são famosas em quase todos os idiomas. E é o maior perna de pau do Brasil. Que nome tem essa glória e esse fracasso? Armando Marques.

É cearense, acredita em assombração e é Chico Anysio, glória do bom humor nacional. Talento como o dele só mandando fazer no estrangeiro. É muito sujeito de dar leveza aos decretos do Diário Oficial ou aos relatórios do Banco do Brasil. Se Chico der na telha de ler na televisão balancetes de firmas comerciais, o assunto vira anedota de papagaio. E papagaio português. Formado em Coimbra.

Olhos de jabuticaba, jeito de carioca da Praça Onze e um talento do tamanho do Brasil. E tanta grandeza junta cabe todinha neste pequeno nome: Elizeth Cardoso.

Foi vendedor de relógios, professor de Gramática, funcionário estadual e tabelião federal. E escapou com vida de todos esses ofícios para ser exclusivamente Fernando Sabino. Descompromissado de diretores-gerais e não gerais, de carimbos e firmas reconhecidas. Fernando livre, Fernando alforriado, Fernando à disposição do vento. 

Não sabe nadar, não sabe andar de bicicleta, não sabe dirigir carro nem carreta. A única coisa que sabe dirigir é cinema. Nome do desajeitado: Glauber Rocha.

Maior do que seu nariz, só o seu talento. Bota o pé num patamar de escada e o nariz já está no alto do último degrau. Certa ocasião, na fronteira da Itália com a Áustria, o nariz falava alemão e a boca ainda conversava em italiano. Nariz de marca registrada. Nariz de Juca Chaves. Dez de frente por vinte de fundos. Com belíssima vista para o céu.

Bethânia com th, Vianna com dois nn, Telles com dois ll e Velloso também com dois ll. Com tanta letra dobrada, com nome tão longo, Maria Bethânia Vianna Telles Velloso devia ser uma criatura cheia de nós pelas costas. Não é. Simples como ela, só a água da bica, filtrada por Deus nos córregos das nuvens. Vai cantar a vida inteira as suas lindíssimas cantorias. Com talento, sal e pimenta.

Vive da voz e dos gestos. Não é bonito nem feio, não é gordo nem magro, não é alto nem baixo. É Paulo Autran. E ser Paulo Autran é ser coisa que não acaba mais. É ser glória nacional. À prova do tempo e das modas. Enfim, glória permanente e não de ocasião.

Quis ser Oscar Niemeyer e acabou sendo Tom Jobim. Oscar burila concreto. Tom burila sonhos. Vejam a garota de Ipanema! O tempo pode passar por ela que será sempre linda. Sempre terá dezoito anos em flor. Estátua nacional, esculpida em vento e som. Imorrível.

Ler o livro é perceber, sem dúvida, que além de grande escritor, José Cândido de Carvalho também foi grande no jornalismo cultural.

Rascunho