A despeito de Leminski: Polaco oco ou Rascunho casmurro?

Resposta de Domingos Pellegrini a ensaio sobre Paulo Leminski publicado na edição #156
Paulo Leminski, autor de “Anseios crípticos”
01/05/2013

Rascunho teve época nazista, com matérias que não se limitavam a comentar autores: queriam sua eliminação, como quando estampou em título garrafal: Sebastião Uchoa Leite insiste em fazer poesia: PÁRA COM ISSO, SEBASTIÃO! Rejeitado pela reação ética de muitos leitores, Rascunho passou a limpo essa fase, mas agora tem recaída (embora precavida porque rescaldado) com o ensaio sobre Leminski.

A tentativa de “matar” Leminski tem a precaução de se armar com uma análise argumentativa e digna de Marcos Pasche, revestida porém por um tratamento editorial raivoso e despeitado. Na capa do jornal, em vez de foto do autor (como é regra do jornal), uma ilustração bisonha e um título trocadilhesco que, no afã de depreciar Leminski, deprecia o jornal: Polaco oco. Nas páginas centrais, um título raivoso e grotesco como a ilustração que estampa:  Sobraram apenas os óculos e o bigode.

Acrescente-se que sobraram também os milhares de leitores que já sabiam de cor poemas de Leminski, aos quais agora vão se somando outros milhares. O título original de Pasche decerto foi transformado em subtítulo: Toda poesia de Paulo Leminski revela uma obra datada, vazia e repetitiva. Rascunho manipulou a edição do artigo de forma a “matar” toda a obra de Leminski, enquanto o próprio articulista ressalva que sua poesia tem “brilhantes lances de criatividade”.

Cheguei a sugerir a Alice Ruiz que a poesia de Leminski, dispersa e em edições esgotadas, precisava de uma antologia, pois temia que a publicação de sua poesia integral pudesse resultar num livro de preço distante da moçada leitora. Mas a obra saiu compactada com bom preço e, assim, os leitores podem ter visão geral e suas próprias preferências, apesar das muitas baixices e inocuidades do poeta. Como, porém, seus leitores são afetivos e argutos, como Leminski foi, isso não o matará — ao contrário. Ele não se queria Deus perfeito, embora, sim, se dedicasse espertamente a criar a imagem de  um “pop star  literário” (o que não é crime, nem anti-ético).

É engraçado (ou desgraçante) que os mesmos que reclamam de a literatura não ter mais leitores não suportam quando algum autor faz sucesso, como aliás detestam os livros de auto-ajuda, que, porém, sustentam a indústria editorial, até para que se possa também publicar livros outros.

Esperemos que, na onda (que bela onda, Paulo, nós que te amamos estamos tão felizes por você) do sucesso de Toda poesia venham também a antologia e a reedição de Vida, contendo as biografias de Jesus, Basho, Cruz e Sousa e Trotsky, primorosas pela agudeza amorosa com que foram escritas. E que o Catatau continue a encantar quem gosta de vanguardices, e que os Ensaios crípticos continuem a ser exemplos de visão criativa, com menos ou mais leitores, mas sempre a configurar um escritor que não pode ser despeitosamente reduzido a óculos e bigode.

Leminski trouxe à poesia um frescor jovem, uma feição pop, uma aura cult, e, principalmente, uma atitude de vida que vão continuar encantando os leitores de mente clara e coração aberto. Não será com dois títulos casmurros que matarão Leminski, embora ele esteja morrendo de rir.

Domingos Pellegrini

Nasceu em Londrina (PR), em 1949. É autor de O caso da chácara chão, Meninos no poder, Quadrondo, entre outros.

Rascunho