🔓 Vera LĂșcia de Oliveira

Ensaio fotogrĂĄfico de Vera LĂșcia de Oliveira
Foto: Ozias Filho
01/03/2023

Esses dias partidos, roubados inesperadamente Ă  esperança, dias de portas e janelas fechadas, e castelos, e fortalezas, e medos do outro, dias de silĂȘncios e sem amanhĂŁs. Esses dias partidos, dias de pessoas virtuais e dores, e perdas bem reais, os dias da solidĂŁo, os dias do vĂ­rus. Esses dias partidos, contam-se nas pĂĄginas do livro homĂŽnimo, nas palavras, e no dizer da poeta Vera LĂșcia de Oliveira.

A obra que reĂșne uma antologia poĂ©tica (2004 -2016), traz um inĂ©dito, O tempo denso, que canta os versos, dos dias de profunda tristeza, no convĂ­vio com a covid-19, sempre presente, ao abrir dos olhos, a cada manhĂŁ sem horizontes por terras italianas, e que ceifou muitos milhĂ”es de vidas, por todos os cantos por onde passou.
Este tempo, que ainda vai ecoar em muitos cotidianos, Ă© o da observação, Ă© o da construção da linguagem, e da tradução do silĂȘncio que estava fora e dentro de portas. O silĂȘncio dos carros, o silĂȘncio da cidade, o silĂȘncio das pessoas recolhidas em suas casas, o silĂȘncio do vĂ­rus invisĂ­vel aos olhos, e presente no medo de todos, o silĂȘncio vertido em poesia.

A observadora, que usa o cĂłdigo da poesia para nos devolver a memĂłria desses dias, se recolheu para ouvir as muitas vozes que, sem palavras, clamavam a sua dor. Eram as vozes dos doentes nos hospitais, eram as vozes daqueles que nĂŁo conseguiram se despedir, eram as vozes de outros que nĂŁo puderam ser visitados, eram as vozes dos profissionais de saĂșde, e da sua exaustĂŁo ao limite das capacidades fĂ­sicas e mentais, eram as vozes de pessoas que morriam lĂșcidas e sĂłs. No seu Ă­ntimo, era tambĂ©m a voz da poeta que pronunciava o mantra: eu vou acompanhar vocĂȘ… eu nĂŁo vou largar a sua mĂŁo.

Do lado de fora, nĂŁo obstante o silĂȘncio de cortar coraçÔes, o tempo corria em movimento, e a natureza retomava, aos poucos, o seu espaço natural, e se apropriava do que sempre fora a sua pertença; enquanto as casas, as ruas, o trĂąnsito, as rotinas decidiam nos abandonar. Casas como arcas de NoĂ©, em movimento, Ă  espera de que o dilĂșvio do vĂ­rus interrompesse a sua cadĂȘncia.

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

 

Vera LĂșcia de Oliveira
É escritora e professora associada de Literatura portuguesa e brasileira na UniversitĂ  degli Studi di Perugia (ItĂĄlia). Tem diversos livros de poesia e ensaios; participou de antologias poĂ©ticas em vĂĄrios paĂ­ses, tendo recebido muitos prĂȘmios. Entre os ensaios: Poesia, mito e histĂłria no modernismo brasileiro (Unesp, 2015); Um avesso de paĂ­s: representaçÔes da narrativa brasileira contemporĂąnea (Pontes, 2020). Entre os livros de poesia: Geografie d’ombra (Fonema, 1989); O mĂșsculo amargo do mundo (Escrituras, 2014); Minha lĂ­ngua roça o mundo (PatuĂĄ, 2018); Ero in un caldo paese (Fara, 2019), Esses dias partidos (PatuĂĄ, 2022).
Ozias Filho

Nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1962. É poeta, fotĂłgrafo, jornalista e editor. Autor de Poemas do dilĂșvio, PĂĄginas despidas, O relĂłgio avariado de Deus, Insulares, Os cavalos adoram maçãs e Insanos, estes dois Ășltimos, em 2023). Como fotĂłgrafo tem vĂĄrios livros publicados e integrou a iniciativa Passado e Presente – Lisboa Capital Ibero-americana da Cultura 2017. Publicou em 2022 o seu primeiro livro infantil, Confinados (com ilustraçÔes de Nuno Azevedo). Vive em Portugal desde 1991.

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