A trajetória do escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924), que produziu sua obra ficcional em alemão, é marcada por desavenças familiares, amores impossíveis ou não correspondidos e uma doença que lhe tirou a vida muito cedo, um mês antes de ele completar 41 anos.
Apesar de todos os impasses, sua produção ficcional rendeu-lhe uma honraria concedida a poucos: a de tornar-se adjetivo. Kafkiano é um termo que pode descrever uma espécie de prosa aflitiva, permeada por impossibilidades, que flerta com tudo que há de absurdo na realidade.
Não é à toa que Kafka é autor de uma das frases de abertura de livro mais conhecidas, e estranhas, da literatura: “Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”, anota o narrador de A metamorfose, em tradução de Modesto Carone. Trata-se de uma sentença citada a exaustão há décadas.
Outras obras
Além da narrativa icônica de A metamorfose, Kafka também é autor de outros clássicos contemporâneos. Antes de citá-los, é curioso saber que, prestes a morrer, ele pediu a Max Brood, um bom amigo, para que queimasse seus escritos — o que, para a alegria do público leitor, não aconteceu.
Desse espólio literário surgiram romances como O castelo e O processo. Nesse último, o personagem Josef K. precisa descobrir por que está sendo acusado judicialmente, já que — novamente na versão para o português de Carone — “foi detido sem ter feito mal algum”.
A história, que discute os possíveis absurdos da justiça e denuncia as patetices da burocracia, é emblemática por conversar diretamente com a vida do autor. A linha tênue entre criador e criatura é sempre nebulosa, mas é fato que Kafka se formou em Direito, em 1906, e exerceu o ofício durante toda a vida.
Relações pessoais
Mesmo que Kafka se dedicasse com seriedade à literatura, seu pai — Hermann Kafka, comerciante judeu — nunca o apoiou. O homem desejava uma vida mais tradicional para o filho, que não conseguia tirar proveito de nada além da ficção. “Tudo o que não é literatura me aborrece”, afirmou.
Por conta desse impasse, e de outros envolvendo mulheres, Kafka parece ter vivido amargurado. Uma demonstração desse peso que levava no peito pode ser conferida em sua dura Carta ao pai, escrita quando o autor tinha 36 anos e que nunca foi entregue para o destinatário original.
Já nas coisas do coração, o tcheco não se saiu muito melhor. Noivo de Felice Bauer por duas vezes, nunca se casou. Com outras mulheres que lhe marcaram, como Dora Diamant e Milena Jesenská, nada de proveitoso aconteceu.
Essa jornada turbulenta pode ser conferida, pela visão do próprio autor, no recém-lançado Diários — 1909-1923, no qual o leitor acompanha Kafka pelas ruas de Praga, onde nasceu e passou a maior parte da vida, e tem acesso aos mais variados pensamentos íntimos do autor.
Morte precoce
Frankz Kafka morreu sem nunca ter casado, sem ter acertado as contas com seu pai — que, até o final, desprezou os escritos do filho — e desejando que sua obra fosse queimada. Se é que cabe algum tipo de suposição, dá para arriscar dizer que foi um homem infeliz.
Aos 34 anos, em 1917, começou a sentir os efeitos da tuberculose. A doença lhe tirou a vida sete anos mais tarde, em 1924. Hoje, sua obra é considerada uma das mais relevantes da literatura mundial.
Kafka no cinema
A vida e obra do autor renderam algumas boas adaptações para o cinema. Em 1962, Orson Welles — diretor do icônico Cidadão Kane — levou o romance O processo para as telonas, com Anthony Perkins no papel de Josef K.
Quase três décadas depois, em 1991, outro diretor renomado tirou o trabalho do tcheco dos livros. Em Kafka, o norte-americano Steven Soderbergh entrega um longa-metragem bem kafkiano, em uma narrativa audiovisual que envolve investigações e se inspira na biografia do escritor.