🔓 Ruy Ventura

Ensaio fotográfico de Ruy Ventura
Foto: Ozias Filho
01/01/2023

Procurei, sem saber, deuses e deusas pelas ruas da cidade.
Nada encontrei, apesar do reencontro (…)

Há sempre uma queixa, um questionar constante à sabedoria de um Deus que porventura nos protege de algo invisível aos olhos. Há um sabor especial quando a criatura discute, diverge do Criador. Afinal, não somos feitos à imagem e à semelhança deste Ser, pois ter um corpo físico, como nós o temos, que ama e que sofre na pele, eleva a potência da dúvida, e a imagem nunca será igual ao original, mas sim uma mera representação imperfeita vista ao espelho. Ao lado da fé, a incerteza é uma extensão ubíqua, e por isso questionar, conversar, discutir, ralhar com este Deus, talvez nos outorgue algo da divindade, deste sopro que nos habita, e que revela o quão frágil somos: pequenos deuses perante as intempéries.

A escrita deste Criptopórtico, de Ruy Ventura, uma obra que reúne mais de trinta anos de vida poética, segundo o próprio, é um questionamento perante a incompreensão do Todo, e por isso um lado confessional, uma religiosidade à maneira de Jó, aquela que ralha com Deus. Uma religiosidade que se espelha na visão mais franciscana, pois procura ver, no Criador, a criatura.

O poeta, na sua linguagem, por vezes algo cifrada, desvela e esconde alternadamente as suas inquietudes. E neste jogo de alternância, procura equilibrar o edifício que está visível aos olhos de todos. O título desta coletânea dá o mote daquilo que pretende o poeta, já que um criptopórtico serve — na verdade arquitetónica —, para suster estruturas localizadas na superfície, mas que não é visto, pois que se encontra imerso na paisagem.

“A minha poesia é um edifício escondido que me sustenta, e que propõe ao mesmo tempo estruturas verbais, estruturas imagéticas que podem ajudar a suportar o mundo (…) para que este mundo não resvale pela encosta (…) e seja um mundo mais equilibrado (…) agora se se consegue, ou não, esta é que é a questão”, diz Ruy Ventura.

Olhar não basta. Olhar não é ver. Se quisermos ver, é preciso fazer-se à estrada, procurar, esmiuçar, sentir no calabouço. Assim se mostra este livro, que convoca muitos outros livros, à maneira de um criptopórtico. Quem olha o título na capa, à superfície, não vê o que se esconde nas suas páginas. O leitor precisa mergulhar fundo, caso queira respirar, descobrir o que os seus textos revelam. E é de revelação que falamos. Um termo tão caro à religião e à curiosidade humana.

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho
Ruy Ventura
Nasceu em Portalegre (Portugal), em 1973. É poeta, ensaísta, investigador e historiador de arte. Recebeu, em 1997, o Prémio Revelação de Poesia, da Associação Portuguesa de Escritores. Desde 2000, editou mais de uma dezena de obras poéticas, agora reunidas na antologia Criptopórtico (Porto, Officium Lectionis, 2022), além de livros de ensaio, como A chave de Sebastião da Gama. Está traduzido em espanhol, inglês, alemão e italiano, com poemas editados em Espanha, Itália, Alemanha, Brasil, México e Estados Unidos da América. No Brasil, editou a antologia Rua da outra rua. Dirige com Nuno de Matos Duarte a Devir – Revista Ibero-Americana de Cultura.
Ozias Filho

Nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1962. É poeta, fotógrafo, jornalista e editor. Autor de Poemas do dilúvioPáginas despidas, O relógio avariado de DeusInsularesOs cavalos adoram maçãs e Insanos, estes dois últimos, em 2023). Como fotógrafo tem vários livros publicados e integrou a iniciativa Passado e Presente – Lisboa Capital Ibero-americana da Cultura 2017. Publicou em 2022 o seu primeiro livro infantil, Confinados (com ilustrações de Nuno Azevedo). Vive em Portugal desde 1991.

Rascunho