🔓 Poemas de Ron Koertge

Leia os poemas traduzidos "O que ela queria", "Objeto sexual", "Påscoa", "Primeira série", "Noite" e "Queimando o livro"
Ron Koertge, poeta americano
01/02/2023

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

What she wanted

was my bones. As I gave them
to her one at a time, she put
them in a bag from Saks.

As long as I didn’t hesitate,
she collected scapula
and vertebrae with a smile.

If I grew reluctant, she pouted.
Then I would come across
with rib cage or pelvis.

Eventually I lay in a puddle
at her feet, only the boneless
penis waving like an anemone.

“Look at yourself,” she said.
“You are disgusting.”

O que ela queria

eram os meus ossos. Conforme eu os dava,
um por um, ela os enfiava
numa sacola da Saks.

Enquanto eu nĂŁo hesitava,
ela recolhia, sorrindo,
as escåpulas e as vértebras.

Se eu relutava, ela fazia beicinho.
Eu entĂŁo concordava, entregando
a caixa torĂĄcica ou a bacia.

No fim, fiquei largado numa poça
aos pés dela, tendo apenas um desossado
pĂȘnis a balançar como uma anĂȘmona.

“Olhe para vocĂȘ,” ela disse.
“VocĂȘ Ă© repulsivo.”

Sex object

She comes home steaming.
She gets into my pants.
She rides me hard.

I look past her slot—
machine eyes
to the ceiling

where the last quake
made cracks in the shape
of Florida

and Louisiana, the latter
having for its capital
Baton Rouge,

which is located
on the Mississippi,
principal waterway
of the United States,

measuring 2,470 miles
from its source
in northern Minnesota
to the Gulf of Mexico.

Objeto sexual

Ela chega em casa fervendo.
Ela se enfia nas minhas calças.
Ela me cavalga com força.

Olho, através de seu
olhar de caça-níqueis,
para o teto

onde o Ășltimo terremoto
causou rachaduras nos mapas
da FlĂłrida

e da Lousiana, esta Ășltima
tendo como capital
Baton Rouge,

que fica situada
no Mississippi,
a principal hidrovia
dos Estados Unidos,

com 2.470 milhas de extensĂŁo,
desde suas nascentes,
no norte de Minnesota,
até o Golfo do México.

Easter

My wife is standing in the kitchen
saddened by the death of a black
and white cat who took his meals here.
There is a swan on the back of her T-shirt,
and when she tugs it up to wipe one eye,
he lifts off the perfect meter of her beaded belt.

It is the thirteenth Sunday of a short year
and, as I roll away the little stone of my hangover,
I wonder how Jesus felt. He knew how we fumble
for each other’s lips, how our thoughts go sneaking
around. Yet He got up, anyway, fussed til the drape
of His sheet was just right, then stepped out
into the lush, blue light of a new day.

PĂĄscoa

Minha mulher, na cozinha,
triste com a morte de um gato
preto e branco que costumava comer aqui.
HĂĄ um cisne na parte de trĂĄs de sua camiseta,
e quando ela a estica para enxugar o olho,
deixa Ă  mostra as medidas perfeitas do cinto frisado.

É o dĂ©cimo terceiro domingo de um ano curto
e, enquanto jogo fora o resto de minha comida,
imagino o que Jesus sentiu. Ele sabia o quanto tateamos
em busca de lĂĄbios, o quanto nossos pensamentos se esgueiram
por aí. Ainda assim Ele se levantou, agitado, até que
tivesse ajustado o pano de Seu manto, e entĂŁo saiu,
para a exuberante luz azul de um novo dia.

First grade

Until then, every forest
had wolves in it, we thought
it would be fun to wear snowshoes
all the time, and we could talk to water.

So who is this woman with the gray
breath calling out names and pointing
to the little desks we will occupy
for the rest of our lives?

Primeira série

Até agora, toda floresta
tinha lobos, pensĂĄvamos
quĂŁo divertido seria usar botas para neve
o tempo todo, e conseguĂ­amos falar com a ĂĄgua.

E entĂŁo, quem Ă© esta mulher com bafo
cinzento, falando nossos nomes e apontando
para as mesinhas que deveremos usar
pelo resto de nossas vidas?

Night

Lying with you now,
arm numb as a lapel,
I see there could be
anything up there,
not just the bears
and dippers Daddy
traced as he held
us high as groceries.

Look, there’s a river
in its dark clothes,
one crushed corsage
the size of Maine,
new kinds of love,
that room we always
wanted to see
but were afraid.

Why didn’t someone
tell me that more gods
than I ever imagined
cruise overhead each
night in their enormous
glass-bottomed boat?

Noite

Deitado com vocĂȘ, agora,
o braço enrijecido como um colarinho,
noto que que pode haver
qualquer coisa lĂĄ em cima,
além dos ursos
e dos passarinhos que papai
desenhava, quando nos erguia bem alto,
como se fĂŽssemos latas de conserva.

Veja, existe um rio
vestindo roupas escuras,
um buquĂȘ esmagado
do tamanho do Maine,
e novas formas de amor,
aquele aposento que sempre
quisemos ver,
mas que nos dava medo.

Por que ninguém
me explicou que hĂĄ mais deuses
do que jamais imaginei,
viajando lĂĄ no alto,
todas as noites, num enorme
barco com fundo de vidro?

Burning the book

The anthology of love poems I bought
for a quarter is brittle, anyway, and comes
apart when I read it.

One at a time, I throw pages on the fire
and watch smoke make its way up
and out.

I’m almost to the index when I hear
a murmuring in the street. My neighbors
are watching it snow.

I put on my blue jacket and join them.
The children stand with their mouths
open.

I can see nouns—longing, rapture, bliss—
land on every tongue, then disappear.

Queimando o livro

A antologia de poemas de amor que comprei
por um quarto de dĂłlar Ă© muito frĂĄgil, e se
desfaz enquanto a leio.

Uma a uma, vou jogando no fogo as pĂĄginas,
e observo a fumaça indo para o alto
e para fora.

Jå estou quase no índice quando ouço
vozes na rua. SĂŁo meus vizinhos,
olhando a neve cair.

Visto meu casaco azul e junto-me a eles.
As crianças estão com as bocas
abertas.

Posso ver palavras — saudade, ĂȘxtase, felicidade —
pousando em cada lĂ­ngua, e sumindo.

Ron Koertge
Nasceu na årea rural do estado de Illinois (Estados Unidos), em 1940. Escreve uma poesia que, mesmo quando lírica, soa por vezes cínica ou surrealista, num estilo que ecoa a iconoclastia dos primeiros beats. Também professor universitårio, Koertge jå publicou mais de uma dezena de livros.
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, SĂŁo Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/Dezembro, A vida nas montanhas e CemitĂ©rios, entre outros.

Rascunho