🔓 Poemas de Kenneth Koch

Leia os poemas traduzidos "Vivo por um instante", "A verdadeira histĂłria da mula", "Paradiso", "Ao passado", "O que nĂŁo acabou"
O poeta Kenneth Koch
21/10/2015

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

No excelente livro que escreveu sobre a “Escola” de Nova York (The Last-Avant-Garde: The making of the New York School of Poets, Anchor Books, NY, 1999), David Lehman se concentrou, essencialmente, em quatro nomes: Frank O’Hara, John Ashbery, James Schuyler e Kenneth Koch (1925-2002). Este último, Lehman aponta, é, de maneira bastante injusta, o menos lembrado: não ganhou os prêmios mais importantes e seus livros jamais entusiasmaram a crítica tanto quanto os de seus colegas. Uma das explicações estaria no fato, segundo apontou Charles Simic, de os poemas de Koch serem, com frequência, bem-humorados, um verdadeiro pecado para poetas “sérios”. Por outro lado, Koch era o mais erudito do grupo e, como o único que seguiu na vida universitária, dando aulas em Colúmbia até o fim da vida, foi, talvez, o mais influente para as gerações seguintes de poetas de Nova York (Lehman incluído). Se fosse preciso definir com apenas duas palavras cada um dos pais fundadores da Escola, eu diria que O’Hara era o mais carismático e expansivo; Ashbery é o francófilo e surrealista; Schuyler, o mais lírico e contido; Koch, finalmente, seria o mais erudito e (paradoxalmente) leve.

Alive for an instant

I have a bird in my head and a pig in my stomach
And a flower in my genitals and a tiger in my genitals
And a lion in my genitals and I am after you but I have a song in my heart
And my song is dove
I have a man in my hands I have a woman in my shoes
I have a landmark decision in my reason
I have a death rattle in my nose I have summer in my brain water
This is the matter with me and the hammer of my mother and father
Who created me with everything
But I lack calm I lack rose
Though I do not lack extreme delicacy of rose petal
Who is it that I wish to astonish?
In the birdcall I found a reminder of you
But it was thin and brittle and gone in an instant
Has nature set out to be a great entertainer?
Obviously not A great reproducer? A great Nothing?
Well I will leave that up to you
I have a knocking woodpecker in my heart and I think I have three souls
One for love one for poetry and one for acting out my insane self
Not insane but boring but perpendicular but untrue but true
The three rarely sing together take my hand it’s active
The active ingredient in it is a touch
I am Lord Byron I am Percy Shelley I am Ariosto
I eat the bacon I went down the slide I have a thunderstorm in my inside I will never hate you
But how can this maelstrom be appealing? do you like menageries? my god
Most people want a man! So here I am
I have a pheasant in my reminders I have a goshawk in my clouds
Whatever is it which has led all these animals to you?
A resurrection? or maybe an insurrection? an inspiration?
I have a baby in my landscape and I have a wild rat in my secrets from you.

Vivo por um instante

Eu tenho uma ave em minha cabeça e um leitão em meu estômago
E uma flor em meus genitais e um tigre em meus genitais
E um leão em meus genitais e eu estou atrás de você mas eu tenho uma música em meu coração
E minha mĂşsica Ă© uma pomba
Eu tenho um homem em minhas mĂŁos e eu tenho uma mulher em meus sapatos
Eu tenho uma firme decisĂŁo em minha razĂŁo
Eu tenho um guizo morto em meu nariz eu tenho verão na água de meu cérebro
Esse Ă© o problema comigo e a forja de minha mĂŁe e meu pai
Que me criaram com tudo
Mas me falta calma me falta rosa
Apesar de que não me falta a delicadeza de uma pétala de rosa
A quem Ă© que eu quero impressionar?
No pio do passarinho eu encontro uma lembrança de você
Mas ele era tênue e frágil e se foi num instante
Foi a natureza criada para ser uma grande anfitriĂŁ?
Obviamente nĂŁo Uma grande reprodutora? Uma grande Nada?
Bem, eu vou deixar isso para vocĂŞ
Eu tenho um pica-pau batendo em meu coração e eu penso que tenho três almas
Uma para o amor uma para a poesia e uma para pĂ´r para fora o meu insano ser
NĂŁo insano mas tedioso mas perpendicular mas falso mas verdadeiro
Os três raramente cantam juntos pegue minha mão ela está ativa
O ingrediente ativo nela Ă© um toque
Eu sou Lord Byron eu sou Percy Shelley eu sou Ariosto
Eu como o bacon eu escorrego eu tenho uma tempestade dentro de mim eu jamais te odiarei
Mas como pode este rodamoinho ser atraente? vocĂŞ gosta de menages? meu deus
Quase todo o mundo quer um homem! Aqui estou eu
Eu tenho um faisão em minhas lembranças eu tenho um falcão em minhas nuvens
O que será que levou todos esses animais até você?
Uma ressurreição? ou talvez uma insurreição? uma inspiração?
Eu tenho um bebĂŞ em minha paisagem e eu tenho um rato selvagem nos segredos que eu escondo de vocĂŞ.

…..

The true story of the mule

Enjoying everyone
It meets
Like a sunrise
Over distant façades.

A verdadeira histĂłria da mula

Aproveitando todas as pessoas
Ela encontra
Como um nascer do sol
Sobre fachadas distantes.

…..

Paradiso

There is no way not to be excited
When what you have been disillusioned by raises its head
From its arms and seems to want to talk to you again.
You forget home and family
And set off on foot or in your automobile
And go where you believe this form of reality
May dwell. Not finding it there, you refuse
Any further contact
Until you are back again trying to forget
The only thing that moved you (it seems) and gave what you forever will have
But in the form of a disillusion.
Yet often, looking toward the horizon
There — inimical to you? — is that something you have never found
And that, without those who came before you, you could never have imagined.
How could you have thought there was one person who could make you
Happy and that happiness was not the uneven
Phenomenon you have known it to be? Why do you keep believing in this
Reality so dependent on the time allowed it
That it has less to do with your exile from the age you are
Than from everything else life promised that you could do?

Paradiso

Não há como não ficar excitado
Quando aquilo que te causou desilusão levanta dos braços,
a cabeça, e parece que quer conversar com você novamente.
VocĂŞ esquece casa e famĂ­lia
E se põe a caminhar, ou vai de automóvel
E vai para onde vocĂŞ acredita que esta forma de realidade
Habita. Não a encontrando lá, você se recusa
A qualquer outro contato
Até que você esteja de volta, de novo, tentando esquecer
A única coisa que o moveu (parece) e deu a você o que você para sempre terá
SĂł que na forma de desilusĂŁo.
Ainda assim sempre, olhando para o horizonte
Lá — hostil a você? — está algo que você jamais encontrou
E aquilo, sem aqueles que vieram antes de vocĂŞ, vocĂŞ jamais poderia ter imaginado.
Como vocĂŞ poderia ter pensado que havia uma pessoa que poderia fazĂŞ-lo
Feliz e que a felicidade nĂŁo era o fenĂ´meno
ĂŤmpar que vocĂŞ achava que seria? Por que vocĂŞ segue acreditando nessa
Realidade tĂŁo dependente do tempo que permitiu
Que ela tem menos a ver com o exĂ­lio da sua idade
Do que com tudo o mais que a vida prometeu que vocĂŞ poderia fazer?

…..

To the past

In every microsecond of the present, you’re here
It doesn’t seem fair that you are
But fairness is not a judgment that you’d make
And behind my shoulders you begin to shake
A cape or blanket and if I stop and run out to the car
It doesn’t matter, you are still there.
Driving along through you, I think, what can undo you?
At all parties for you, everyone is always dying.
As soon as we go to sleep you eat our food
And smoke our cigarettes, then, acting lazy,
Wake us and say, “Go on, this day is yours. I’m going to take a break,
A day-long rest.” But you are lying.
You can’t help yourself, but neither can we.
Together, mighty past, we dominate things.

Ao passado

Em cada microssegundo do presente, você está aqui
NĂŁo parece legĂ­timo que vocĂŞ esteja
Mas legitimidade nĂŁo Ă© um julgamento que vocĂŞ faria
E por detrás de mim você começa a agitar
Uma capa ou uma manta e se eu paro e corro lá para o carro
Não faz diferença, você ainda está lá.
Dirigindo através de você, eu penso, o que pode desfazê-lo?
Em todas as festas para você, todo o mundo está sempre morrendo.
Tão logo a gente vá dormir você come a nossa comida
E fuma os nossos cigarros, e entĂŁo, se fazendo de indolente,
Nos acorda e diz, “Aproveite, este é o seu dia. Eu vou dar uma parada,
Um descanso de dia inteiro.” Mas você está mentindo.
VocĂŞ nĂŁo pode evitar, nem nĂłs podemos.
Juntos, poderoso passado, nĂłs dominamos as coisas.

…..

The unfinished

A beautiful young woman with eyes like a leopard’s
Walks past and
She does what a beautiful woman does. She indemnifies reality
From the stones and the Sundays to the hardest hit;
She makes a malleable reality
So it will fit on a further beam. She unravels mutuality
So that it’s tucked in a single seam. She is not Mrs. Bailey
My schoolteacher in the third grade,
Although of such truths poetry is made. I would not gladly
Live in a world without her, but that is fate.
She may be married to Tarzan. She may be Brendetta the Milk Maid.

O que nĂŁo acabou

Uma mulher jovem e bonita com olhos de leopardo
Passa caminhando e
Ela faz o que uma mulher bonita faz. Ela compensa a realidade
Desde as pedras e os domingos até o pior golpe;
Ela cria uma realidade maleável
De forma que ela caiba em uma distante viga. Ela liberta a reciprocidade
Para que ela seja dobrada numa Ăşnica emenda. Ela nĂŁo Ă© a Sra. Bailey
Minha professora da terceira série,
Embora dessas verdades a poesia seja feita. Eu nĂŁo viveria
Feliz num mundo sem ela, mas isso Ă© o destino.
Ela pode estar casada com o Tarzan. Ela pode ser Brendetta, a Moça do Leite.

…..

Variations on a theme by William Carlos Williams

1.
I chopped down the house that you had been saving to live in next summer.
I am sorry, but it was morning, and I had nothing to do
and its wooden beams were so inviting.

2.
We laughed at the hollyhocks together

and then I sprayed them with lye.
Forgive me. I simply do not know what I am doing.

3.
I gave away the money that you had been saving to live on for the next ten years.

The man who asked for it was shabby
and the firm March wind on the porch was so juicy and cold.

4.
Last evening we went dancing and I broke your leg.
Forgive me. I was clumsy, and
I wanted you here in the wards, where I am the doctor!

Variações sobre um tema de William Carlos Williams

1.
Eu pus abaixo a casa que vocĂŞ estava preservando para viver no prĂłximo verĂŁo.
Eu sinto muito, mas era cedo, e eu nĂŁo tinha nada pra fazer
e as suas vigas de madeira estavam tĂŁo convidativas.

2.
NĂłs rimos juntos das flores de hibiscos
e entĂŁo eu as borrifei com detergente.
Me perdoe. Eu simplesmente nĂŁo sabia o que estava fazendo.

3.
Eu distribuĂ­ o dinheiro que vocĂŞ estava poupando para viver pelos prĂłximos dez anos.
O homem que me pediu estava acabado
e o vento forte de março na varanda estava tão suculento e frio.

4.
Ontem à noite nós fomos dançar e eu quebrei a sua perna.
Me perdoe. Eu fui desajeitado, e
eu queria ver você nas enfermarias, onde eu sou o médico!

…..

Permanently

One day the Nouns were clustered in the street.
An Adjective walked by, with her dark beauty.
The Nouns were struck, moved, changed.
The next day a Verb drove up, and created the Sentence.

Each Sentence says one thing — for example, “Although it was a dark rainy day when the Adjective walked by, I shall remember the pure and sweet expression on her face until the day I perish from the green, effective earth.”
Or, “Will you please close the windows, Andrew?”
Or, for example, “Thank you, the pink pot of flowers on the windows sill has changed color recently to a light yellow, due to the heat from the boiler factory which exists nearby.”

In the springtime the Sentences and the Nouns lay silently on the grass.
A lonely Conjunction here and there would call, “And! But!”
But the Adjective did not emerge.

As the adjective is lost in the sentence,
So I am lost in your eyes, ears, nose, and throat —
You have enchanted me with a single kiss
Which can never be undone
Until the destruction of language.

Permanentemente

Um dia os Substantivos estavam aglomerados na rua.
Uma Adjetiva passou por eles, com sua negra beleza.
Os Substantivos ficaram atĂ´nitos, impressionados, mudados.
No dia seguinte um Verbo apareceu, e criou a Sentença.

Cada Sentença diz uma coisa — por exemplo, “Ainda que fosse um dia escuro e chuvoso quando a Adjetiva chegou, eu me lembrarei da expressão pura e doce em sua face até o dia em que eu pereça da verde, efetiva, Terra.”
Ou, “Você poderia por favor fechar a janela, Andrew?”
Ou, por exemplo, “Obrigado, a jarra de flores rosa no peitoril da janela mudou recentemente de cor para um amarelo-claro, por causa do calor provocado por uma fábrica de aquecedores que existe aqui perto.”

Na primavera as Sentenças e os Substantivos se deitaram silenciosamente na grama.
Uma solitária Conjunção, aqui e ali, exclamaria, “E!” “Mas!”
Mas a Adjetiva nĂŁo apareceu.

Assim como a adjetiva está perdida na sentença,
Eu estou perdido em seus olhos, orelhas, nariz e garganta —
Você me enfeitiçou com um simples beijo
O qual jamais poderá ser desfeito
Até a destruição da linguagem.

…..

Ulla

I followed the young woman — Ulla, was that her name?
Down the hallway — what a strange destiny it is
To be so beautiful! I followed
And that was all I was doing — following. It was not a Civil War
Thank goodness! not even something I had to work on
And as some would follow a matador and others a thrilling soprano
I walked on after this Ulla down the hall
To a light and airy room. She said, This is your chamber.
You will stay here tonight, and, then, tomorrow morning
We will change you to another one, which is a little bit more comfortable than this.
I’m perfectly happy with this room, I said. I thought,
Today I’ve seen Ulla. Is that enough? But, well,
Yes, now, could you show me the other
Where tomorrow I may be lodging. The rooms are national.
Ulla is one part of what is real. She says, yes,
Please follow me. On the walls are designs of roses and of fleurs-de-lys.

Ulla

Eu segui a jovem — Ulla, era esse o seu nome?
Pelo corredor — que destino estranho é esse
De ser tĂŁo bonita! Eu a segui
E isso é tudo o que eu estava fazendo — seguindo. Não era uma Guerra Civil
Graças a deus! nem mesmo algo sobre o que eu deveria fazer alguma coisa
E assim como alguns seguem um toureiro e outros uma excitante soprano
Eu caminhei atrás de Ulla pelo corredor
Até um aposento arejado e iluminado. Ela disse, Este é o seu quarto.
Você ficará aqui esta noite, e, então, amanhã de manhã
Nós o colocaremos em outro, que será um pouco mais confortável do que este.
Eu estou perfeitamente satisfeito com este quarto, eu disse. E eu pensei,
Hoje eu vi Ulla. Será o bastante? Mas, pensando bem,
Sim, Ă© claro, vocĂŞ poderia me mostrar o outro
Onde amanhĂŁ eu serei instalado. Os quartos sĂŁo nacionais.
Ulla é um pedaço do que é real. Ela diz, sim,
Por favor, me siga. Nas paredes há desenhos de rosas e de flores-de-lis.

André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/Dezembro, A vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

Rascunho