🔓 Poemas de Fabrício Oliveira

Leia os poemas "Ruínas", "Pesadelo", "Infância" e "Trapézio da tempestade"
Ilustração: Eduardo Mussi
01/02/2023

Ruínas

Rasgam minha carne
os dentes da morte.

E o sol (vertigem) me invade
com seus presságios.

A vida é só um lapso,
e eu — cético:

regresso sobre meu rastro
para acordar meus cavalos.

….

Ilustração: Eduardo Mussi

Pesadelo

Há matilhas de facas
entalhando minha face;
cães mijam na minha pele:
todo negro é um hóspede,
da noite, que o persegue.

Triste presságio:
todo negro terá suas cotas
para o inferno.
Seus passos ecoam na estrada
para o naufrágio.

E nascem ossos nas flores
que o negro colhe.

Ilustração: Eduardo Mussi

Infância

Nesta metrópole de ossos solitários,
há mãos terríveis que espantam os pássaros.
Revólveres trafegam embaixo dos tetos,
crianças choram no sofá da sala.

O tique-taque do relógio rompe a porta
do tempo: duas borboletas se arrebentam
na geografia da criança morta
com marcas de facas e dentes no pescoço.

Toda criança é uma hóspede do medo:
do tique-taque, do furor da fera.
Eu sou o infante que não se desespera
nesta metrópole de ossos solitários.

Ilustração: Eduardo Mussi

Trapézio da tempestade

Canta carcará
do trapézio
da tempestade.
Relampeja minha carne,
sangram as córneas
do meu sertão.

Meu coração é um penhasco
de guizos e saudade.

Assombram-me predadores
de melanina,
e a vida (esta tarde)
é um arbusto de víboras.

A loucura é uma motosserra
decapitando a selva
das palavras.

Na prateleira da tarde em espiral,
um corvo desolado
racha
o crânio de ovelhas desmamadas.

Trago no bolso o furor das traças,
açoito a porta do mangue,
porcos pascem
dentro dos dejetos deste dia.

Guizos de melancolia
invadem
o pomar dos enfermos: esperança
inundada de bílis e medo.

Canta carcará
do trapézio
da tempestade,
açoita a fome,
mastiga neblinas, urtigas,
o gergelim dos bêbedos
e a língua
dos párias.

 

Fabrício Oliveira

Nasceu em Santo Estêvão (BA), em 1996. É autor dos livros de poesia Gramática das pedras (2020) e Viração (2022), ambos pela Patuá.

Rascunho