RuĂnas
Rasgam minha carne
os dentes da morte.
E o sol (vertigem) me invade
com seus presságios.
A vida Ă© sĂł um lapso,
e eu — cético:
regresso sobre meu rastro
para acordar meus cavalos.
….
Pesadelo
Há matilhas de facas
entalhando minha face;
cĂŁes mijam na minha pele:
todo negro Ă© um hĂłspede,
da noite, que o persegue.
Triste presságio:
todo negro terá suas cotas
para o inferno.
Seus passos ecoam na estrada
para o naufrágio.
E nascem ossos nas flores
que o negro colhe.
…
Infância
Nesta metrópole de ossos solitários,
há mĂŁos terrĂveis que espantam os pássaros.
RevĂłlveres trafegam embaixo dos tetos,
crianças choram no sofá da sala.
O tique-taque do relĂłgio rompe a porta
do tempo: duas borboletas se arrebentam
na geografia da criança morta
com marcas de facas e dentes no pescoço.
Toda criança é uma hóspede do medo:
do tique-taque, do furor da fera.
Eu sou o infante que nĂŁo se desespera
nesta metrópole de ossos solitários.
…
Trapézio da tempestade
Canta carcará
do trapézio
da tempestade.
Relampeja minha carne,
sangram as cĂłrneas
do meu sertĂŁo.
Meu coração é um penhasco
de guizos e saudade.
Assombram-me predadores
de melanina,
e a vida (esta tarde)
Ă© um arbusto de vĂboras.
A loucura Ă© uma motosserra
decapitando a selva
das palavras.
Na prateleira da tarde em espiral,
um corvo desolado
racha
o crânio de ovelhas desmamadas.
Trago no bolso o furor das traças,
açoito a porta do mangue,
porcos pascem
dentro dos dejetos deste dia.
Guizos de melancolia
invadem
o pomar dos enfermos: esperança
inundada de bĂlis e medo.
Canta carcará
do trapézio
da tempestade,
açoita a fome,
mastiga neblinas, urtigas,
o gergelim dos bĂŞbedos
e a lĂngua
dos párias.