🔓 Poemas de David Lehman

Leia os poemas traduzidos: "8 de março", "Homilia", "Rádio", "Interior de estilo holandês", "Sexismo" e "Flashback"
David Lehman, poeta americano
01/04/2023

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

March 8

Every so often my father comes over
to a visit he hangs his overcoat and hat
on my hat rack I brief him on recent
developments and serve us coffee
he is surprised that I like to cook
once when he made an omelette
he flipped it in the air much to my delight
and it landed on the floor yes that
was the summer of 1952, he remembered
the high breakers and how fearless
I was running into the ocean anyway
the important thing is to see you doing
so well he said and took his coat and hat
and left before I remembered he was dead

8 de março

Ocasionalmente meu pai aparecia
para fazer uma visita ele pendurava sobretudo e chapéu
na minha chapeleira eu conto a ele os progressos
recentes e sirvo café a nós dois
ele se mostra surpreso que eu goste de cozinhar
uma vez quando fez uma omelete
ele a lançou ao ar para meu grande deleite
ela aterrissou no chĂŁo sim isso
foi no verĂŁo de 1952, ele se lembrou
das ondas enormes e o quĂŁo sem medo
eu corria para o mar de qualquer forma
o que importa é ver que você está se saindo
tão bem ele disse e pegou seu sobretudo e chapéu
e saiu antes que eu me lembrasse que ele estava morto

Homily

Man has the will
to grieve
a week and no longer.

Ever the stranger
he will kill
with righteous anger.

What does he believe?
In his right to trade
a season of greed

for an hour
of love in an unlit corner.
Such is love’s power,

though it last no longer.
And such is his need
than which nothing is stronger.

Homilia

O homem se dispõe
a lamentar
por uma semana, nĂŁo mais.

Sempre o estranho
que ele matará
com justificada raiva.

No que ele crĂŞ?
Em seu direito de trocar
uma temporada de lamentos

por uma hora
de amor numa esquina escura.
Tal Ă© o poder do amor,

mesmo que nĂŁo perdure.
E tal Ă© sua necessidade
que não há nada mais forte.

Radio

I left it
on when I
left the house
for the pleasure
of coming back
ten hours later
to the greatness
of Teddy Wilson
“After You’ve gone”
on the piano
in the corner
of the bedroom
as I enter
in the dark.

Rádio

Deixei-o
ligado quando
saĂ­ de casa
pelo prazer
de voltar
dez horas depois
para a grandiosidade
de Teddy Wilson em
“After You’ve gone”
no piano
no canto
do meu quarto
quando eu entrasse
no escuro.

Dutch Interior

He liked the late afternoon light as it dimmed
In the living room, and wouldn’t switch on
The electric lights until past eight o’clock.
His wife complained, called him cheerless, but
It wasn’t a case of melancholy; he just liked
The way things looked in air growing darker
So gradually and imperceptibly that it seemed
The very element in which we live. Every man
And woman deserves one true moment of greatness
And this was his, this Dutch interior, entered
And possessed, so tranquil and yet so busy
With details: the couple’s shed clothes scattered
On the backs of armchairs, the dog chasing a shoe,
The wide-open window, the late afternoon light.

Interior de estilo holandĂŞs

Ele gostava dos fins de tarde quando a luz esmaecia
Na sala de estar, e nĂŁo acendia as luzes
Elétricas até depois das oito da noite.
Sua mulher reclamava, chamava-o de sombrio, mas
NĂŁo era um caso de melancolia; ele apenas gostava
De como as coisas se mostravam no ambiente mais e mais escuro
TĂŁo gradual e imperceptivelmente que parecia
O prĂłprio elemento no qual vivemos. Cada homem
E cada mulher merece um verdadeiro momento de grandiosidade
E aquele era o dele, a interior de estilo holandĂŞs, entrava
E possuĂ­a, tĂŁo sereno e ao mesmo tempo tĂŁo ativo
Com seus detalhes: as roupas do casal largadas
Nos encostos das poltronas, o cĂŁo perseguindo um sapato,
A janela bem aberta, a luz do fim de tarde.

Sexism

The happiest moment in a woman’s life
Is when she hears the turn of her lover’s key
In the lock, and pretends to be asleep
When he enters the room, trying to be
Quiet but clumsy, bumping into things,
And she can smell the liquor on his breath
But forgives him because she has him back
And doesn’t have to sleep alone.

The happiest moment in a man’s life
Is when he climbs out of bed
With a woman, after an hour’s sleep,
After making love, and pulls on
His trousers, and walks outside,
And pees in the bushes, and sees
The high August sky full of stars
And gets in his car and drives home.

Sexismo

O momento mais feliz na vida de uma mulher
É quando ela ouve girar a chave de seu amante
Na fechadura, e finge que está dormindo
Quando ele entra no quarto, tentando fazer
Silêncio mas desajeitado, tropeçando nas coisas,
E ela sente o cheiro de álcool em sua respiração
Mas perdoa porque ela o tem de volta
E nĂŁo vai ter que dormir sozinha.

O momento mais feliz na vida de um homem
É quando ele salta da cama
Com uma mulher, depois de uma hora de sono,
Depois de fazer amor, e veste
As calças, e sai para a rua,
E mija nas plantas, e observa
O céu alto de agosto cheio de estrelas
E entra no carro e dirige para casa.

Flashback

The lonely boy in the blue snowsuit playing
With the dog that didn’t exist
In the yard of the house that hadn’t yet been built
Was the older brother I never had, and he was
Carving a snow palace guarded by soldiers and stone lions
Where violins played waltzes from the Vienna woods
While in the big bay window in the living room
You could see the mouths of his parents moving
And though you couldn’t hear the words
You knew a divorce was in the cards, and then you see
A close-up of the mother’s face and suddenly
You can tell what she will look like in twenty years
And what she looked like twenty years ago.
The boy vanishes. It continues to snow.

Flashback

O garoto solitário com casaco para neve azul brincando
Com um cachorro que nĂŁo existia
No quintal da casa que ainda nĂŁo fora construĂ­da
Era o irmĂŁo mais velho que nunca tive, e ele estava
Esculpindo um palácio de neve protegido por soldados e leões de pedra
Onde violinos tocavam valsas das florestas de Viena
Enquanto na grande janela da sacada da sala de estar
VocĂŞ podia ver as bocas de seus pais se mexendo
E ainda que nĂŁo conseguisse ouvir as palavras, vocĂŞ
Sabia que um divĂłrcio estava Ă  vista, e entĂŁo vocĂŞ viu
Um close-up do rosto de sua mĂŁe e de repente
Podia dizer como ela seria em vinte anos
E como ela foi vinte anos antes.
O garoto esvanece. Continua a nevar.

David Lehman
O novaiorquino David Lehman (1948) é mais conhecido como o editor da prestigiada série anual The Best American Poetry, já na trigésima terceira edição (que a mim, pessoalmente, revelou muitos poetas, alguns dos quais apareceram nas páginas deste Rascunho), e do Oxford Book of American Poetry. Mas Lehman, também jornalista, crítico e professor universitário, é sobretudo um autor de obra poética sofisticada, urbana e culta.
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/Dezembro, A vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

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