Urbano (a) leitor (a), você que, assentado na sua confortável poltrona, acha que a Amazônia é um lugar tão distante quanto Marte ou Júpiter, e que o assunto de sua preservação deve constar da pauta de preocupações sim, mas não como prioridade – Existem tantas coisas mais urgentes!, bocejará, enfadado – deveria ouvir o que tem a dizer a respeito, não os ecologistas militantes, que você muitas vezes considera alarmistas, mas María Neira.
María Neira é médica, diretora de Saúde Pública e Meio Ambiente da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em recente entrevista ao jornal El País, ela afirma que cerca de 70% dos últimos surtos epidêmicos que sofremos têm sua origem no desmatamento e na ruptura violenta com os ecossistemas e suas espécies. E ela está se referindo a epidemias como o aids, ebola e covid-19.
“As práticas de desmatamento intenso, feitas sempre em nome da economia de curto prazo, têm efeitos devastadores para o futuro da humanidade. Ao derrubar a floresta para substituí-la por agricultura intensiva e poluente, os animais que vivem nesses lugares, nos quais o homem não havia entrado, sofrem profundas transformações. Aparecem espécies com as quais não estávamos em contato e que podem nos transmitir doenças. Passar de uma floresta tropical para um cultivo, com adubos e pesticidas que nunca tinham entrado nesse ecossistema, altera o tipo de vetores capazes de transmitir os vírus. O desmatamento é uma forma de derrubar essa barreira ambiental entre espécies que nos protege de forma natural” – palavras de María Neira.
Pois bem, ínclito (a) leitor (a), talvez você não saiba, mas o governo deste, como dizer?, bem, chamemo-lo O Inominável, vem orientando, como política de Estado, a destruição do nosso ecossistema. Talvez você não esteja lembrado (a), mas durante a campanha eleitoral ele disse explicitamente que iria acabar com o que chamava de “ativismo ambiental xiita” e, depois, já presidente, em abril de 2019, falou em “fazer uma limpa no Ibama”.
E ele vem cumprindo à risca suas promessas. Entre janeiro de 2019 e janeiro deste ano, os órgãos ligados à área ambiental perderam 10% do total de seu efetivo, enquanto, segundo relatório do Observatório do Clima, o desmatamento na Amazônia aumentou mais 9,5% em 2020, depois de ter subido 34% em 2019. Além disso, o Projeto de Lei Orçamentária Anual deste ano prevê apenas R$ 1,7 bilhão para todas as despesas do Ministério do Meio Ambiente, inclusive as obrigatórias, sendo que, na série histórica, desde o ano 2000, o montante autorizado nunca foi menor do que R$ 2,9 bilhões, em valores atualizados. Por fim, apesar de dois anos consecutivos de aumento do desmatamento e queimadas, o orçamento para fiscalização ambiental e combate a incêndios florestais inicia este ano com uma redução de 27%.
A nós, nos resta somente aguardar a próxima pandemia, que poderá já estar sendo engendrada, segundo especialistas, nas fímbrias da Amazônia…
Luz na escuridão
Antônio Martinelli, poeta: “Tenho realizado vários projetos, como a seção mensal Diálogos em Rebento, na revista Pessoa. Fruto desta parceria com Mirna Queiroz, recebi convite para participar de uma mesa na primeira edição internacional do Ronda Poética, em Leiria, Portugal, junto dos poetas Ricardo Aleixo e Valeska Torres. Além desta mesa de debate, a atriz Camila Pitanga lerá um poema meu, e eu lerei Hilda Hilst num videopoema dirigido e editado por vídeoartista Yghor Boy. Outra boa é que, meus poemas de Tetralogia da peste, lançado pela N-1 Edições, será levado “aos palcos”, em Recife. Em tempos de isolamento, o ator Edjalma Freitas convidou dois expressivos diretores – do teatro, Quiercles Santana, e do cinema, Tuca Siqueira – para a criação deste experimento artístico, que eles batizaram de Poema, e terá estreia em 25 de março, na Sympla e Youtube. Além disso, preparo o livro de poemas [gaia], com a editora Quelônio, e que deve ser lançado em julho. Reli cada um deles com o poeta Ricardo Aleixo, nos encontros semanais no ETC _ Espaço de Texto Criativo. A capa do livro contará com águas-tintas belíssimas da gravurista Julia Goeldi, com quem realizei também uma série de poemas e gravuras, dípticos que dialogavam com o livro Carnaval, de Manuel Bandeira, para a revista Continente”.
Parachoque de caminhão
“Acredito que as pessoas sejam como valises – fechadas, tendo dentro certas coisas, elas são expedidas, atiradas aqui e ali, empurradas a esmo, lançadas por terra, perdidas e achadas, de súbito semivazias ou atulhadas como nunca, até que o Carregador Final as joga no Derradeiro Trem e elas se vão, chacoalhando, para longe.”
Katherine Mansfield (1888-1923)
Antologia pessoal da poesia brasileira
Gregório de Matos Guerra
(Salvador, BA, 1636 – Recife, PE, 1696)
Moraliza o poeta nos Ocidentes do Sol a inconstância dos bens do mundo
Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz, se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.
Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
Se é tão formosa a Luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
Mas, no Sol, e na Luz falta a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se a tristeza.
Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.