Há o mito, muitas vezes alimentado pelos próprios escritores, de que o surgimento da ideia de um livro tem algo de sobrenatural. Acho que não é assim. Uma ou outra vez, até pode ser. Mas é muito raro.
Por isso decidi contar hoje o nascimento de alguns livros. Entre eles há sucessos e fracassos, jabutizados e desprezados. E aqui já aproveito para mandar uma das conclusões do texto (assim, se você quiser, pode até economizar tempo e parar por aqui): o momento da concepção não faz a menor diferença na carreira comercial ou na qualidade de um livro.
Partamos para os partos:
Uma história de futebol, meu best-seller, é filho de um roteiro frustrado com um edital de compra de livros. Foi assim: Isa Pessoa, na época editora da Objetiva, me ligou e disse que tinha uma proposta indecente a me fazer. Não, não se anime, era apenas para escrever um livro para crianças (o que eu nunca tinha feito). A ideia era concorrer num edital do governo federal. Eu não tinha nada pensado para o público infantil, mas havia escrito uma escaleta (junto com Maurício Arruda) para um longa-metragem que nunca foi feito. Aproveitei o material e o transformei num pequeno romance, que acabou sendo um dos escolhidos no tal edital. Como você vê, nenhuma ninfa soprou palavras no meu ouvido.
Nove contra o 9 e Chapeuzinhos Coloridos nasceram na internet e só depois foram para o papel. O primeiro é uma novela detetivesca que escrevi (com Marcus Aurelius Pimenta), em capítulos, para o meu antigo blog sobre futebol no UOL. O segundo foi escrito para o Blog do Lelê, uma coluna de ficção que eu tinha dentro do UOL Crianças. Ou seja, os dois são textos feitos especialmente para a internet. Os resultados foram desiguais: Nove contra o 9 foi um fracasso comercial; Chapeuzinhos Coloridos já vendeu mais de 140 mil exemplares. Ou seja, o momento do nascimento não diz nada sobre o futuro de um livro. A astrologia não diz nada para o mundo editorial.
Terra Papagalli foi um caso curioso. Numa entrevista para o finado Jornal do Brasil, o repórter me perguntou o que eu estava fazendo. Achei que seria feio dizer “coçando o saco” e respondi que, como meu livro anterior tinha contado a independência do Brasil, o passo à frente seria dar um passo para trás, por isso estava escrevendo sobre o descobrimento. Foi uma mentira inventada na hora, mas simpatizei com ela e fiz mesmo o livro (com Marcus Aurelius Pimenta).
Papis et circenses é um livro de microcontos sobre papas. Nasceu quando comprei uma caderneta numa papelaria em Firenze (o que dá um ar chique à coisa). A capa mostrava um santo ou algo assim, e achei que ele parecia o apóstolo Pedro, o primeiro papa (nós, ateus, somos muito curiosos em relação às religiões). Então escrevi na caderneta um conto sobre ele. Depois, por curiosidade, fui pesquisar quem teria sido o segundo papa. Lineu também tinha uma ótima história e virou outro conto. Peguei gosto e fui pesquisar sobre os 260 e tantos papas, que viraram umas noventa histórias.
Em O Evangelho de Barrabás e O Chalaça, antes de mais nada foram escolhidos os temas: respectivamente, Jesus e a independência do Brasil. Depois pensei em quem poderia ser o narrador. O Evangelho começou como sendo de Judas, e n’O Chalaça pensei primeiro em ter o próprio D. Pedro contando sua história. Tudo bem racional, sem magia nenhuma.
Castelos”, que vai sair este ano, nasceu das histórias que contava para eu filho dormir. Mas, é claro, desde criança eu sempre gostei de castelos. E, quando fui à França (olha aí eu dando uma de esnobe de novo), fiz questão de visitar vários deles.
Em resumo, acho que o que nos empurra a escrever é quase sempre algo trivial: um convite, uma capa, um concurso, um menino sem sono, uma mentira ou um raciocínio. Mas esse motivo não é o motivo. Na verdade, as pessoas escrevem sobre assuntos nos quais pensam muito, seja futebol, religião ou história. O mote é só o mote, a ponta do iceberg (adoro metáforas inéditas).
A vontade de escrever sobre aquilo já estava lá. Você é que talvez não soubesse.