Por influência de um amigo, comprei livros do escritor e ilustrador australiano Shaun Tan. Teoricamente infantojuvenis, são daqueles títulos essenciais para todos. São, também, lindíssimos.
Os livros de Tan fizeram comigo o que a literatura, quando boa, faz de melhor: me tiraram do meu quadrado.
Quero falar com vocês de A coisa perdida, lançado no Brasil em 2012. A história, transformada em animação, rendeu ao autor um Oscar em 2011 e pode ser vista no YouTube. O curta animado, como era de se esperar, sofre algumas alterações no texto para melhor adaptação.
Em 2011, ele recebeu o prestigiado prêmio Astrid Lindgren Memorial Award. Tan fez concept art para Wall-E, da Pixar, e é reconhecidíssimo como autor e ilustrador. Portanto, corro o risco de ser a portadora de notícias velhas. Não ligo.
Em julho de 2016, Eduardo Antonio Barbosa de Moura Souza defendeu uma dissertação na UFPE sobre os livros de Tan. Bastante apoiado no referencial teórico de Vitor Chklóvski, crítico literário e escritor russo de quem gosto muito. Como se não bastasse, a dissertação fala também sobre o estranhamento, outro assunto que me fascina.
Segundo Chklóvski, o objetivo da imagem não é apenas a compreensão de seu significado, mas criar uma percepção particular, uma visão, e não o seu simples reconhecimento. Ou seja, Souza foi certeiro.
Aqui mesmo no Rascunho deste mês de janeiro, Nilma e Maíra Lacerda escrevem a ótima coluna Migrar: uma poética dolorosa, que menciona o livro A chegada (2011), de Tan, uma narrativa gráfica muda (sem texto) absolutamente maravilhosa.
Em entrevista concedida à Revista Babar, em 2014, Tan declara que A coisa perdida começou como uma história divertida, sem sentido. Ele reconhece, entretanto, que rapidamente se converteu em uma fábula sobre todo tipo de questões sociais:
Lo que comenzó como una historia divertida, sin sentido, pronto se convirtió en una fábula sobre todo tipo de cuestiones sociales, con un final bastante ambiguo. Me interesó mucho la idea de una criatura o persona que realmente no viniera de ninguna parte, ni tuviera una relación con nada, y estaba “simplemente perdida”. Quería contar la historia desde el punto de vista de un personaje que representaría cómo reaccionaría yo a esto, por lo que el narrador soy yo (aunque yo solía recoger conchas de mar en la playa, en lugar de tapones de botellas).
Tan é graduado em Belas Artes e Literatura Inglesa pela Universidade de Western, Austrália. Nessa mesma entrevista, ele declara a influência de Ray Bradbury. Faz sentido. Do lado da linguagem visual, a influência de Hieronymus Bosch em sua obra é claríssima. Shaun Tan é um repertório infinito de referências.
Em A coisa perdida, um menino vê e se relaciona com uma estranha criatura perdida. O livro trata de indiferença, amadurecimento, sensibilização e dessensibilização, burocracia, consumismo. O livro trata dos temas que um jovem leitor precisa aprender a lidar com para se tornar adulto. O livro trata, por fim, de tudo que um adulto necessita para devolver a poesia à vida.
A coisa perdida é um livro para ser lido várias vezes e, como toda a obra de Shaun Tan, se perder em detalhes. Por exemplo, no final da narrativa, “já fora do prédio alto e cinzento”, os personagens passam por uma escultura de uma entrevista. Só essa escultura já daria uma tese de doutorado inteira. Aparece também no curta animado. Ou, na folha de guarda (é capa dura), a tampinha central tem escrito “entropia”.
Recado recebido.
Voltarei a procurar coisas perdidas.
Na vida, no mundo e dentro de mim.
Obrigada, Shaun Tan.