Reza a boca do povo que não devemos regressar aos locais onde fomos felizes. Talvez na sua essência, este ditado, em jeito de superstição, faça algum sentido, pois o risco de criarmos expectativas elevadas é sempre real. E qualquer coisa menor que o esperado carrega consigo o sentimento de desilusão.
Não acredito em tudo o que a sabedoria popular proclama de modo vário e farto. Sobretudo no que concerne aos dizeres sobre os lugares. Encontro-me, mais uma vez, em Santa Cruz, acompanhado pelo poeta LuÃs Filipe Cristóvão. Aqui, de frente para o mar, novamente, posso afirmar que me sinto feliz.
Para LuÃs Filipe Cristóvão, esta Santa Cruz, que não lhe é religiosa — no modo mais ortodoxo do termo —, guarda toda uma aura de espiritualidade, de misticismo, de algo que nos faz transcender, e, ao mesmo tempo, nos ensina a aquietar a mente. Diz que, desde muito novo, enamorou-se dos seus encantos, e, por isso, em 2008, dedicou-lhe uma oração em forma de livro.
Em Santa Cruz, o livro/lugar, vive-se a oração perene, e um deus maior é invocado sem que a sua presença nos seja ostensiva. Nesta oração dita em silêncio, com poemas e fotografias, cabem o sol, mares, ventos, chuva, arribas, pedras, névoas, cheiros e a sapiência ubÃqua, que harmoniza e enquadra os que lá residem, ou aqueles peregrinos, que como eu, estão de passagem.
Não somos ausentes da paisagem, um mero espectador, que observa mais uma praia linda de cartão-postal; somos com ela parte integrante desta harmonia maior, que alguns chamam Deus e outros preferem nomear Natureza. E, por isso, faço minhas as palavras do livro de LuÃs Cristóvão:
Tenho o corpo cheio de vento, os olhos cheios de uma água escura que escorrega pelas rochas. Tenho as manhas das marés, a lucidez dos pássaros. Sou da imensidão dos espaços da luz.
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