Uma oração. Uma ladainha. Um ritmo interno que move os ponteiros do relógio, num ciclo repetitivo, minimalista, e que a cada volta da sua rotação acrescenta um novo elemento Ć história, e que mesmo assim tem sempre o sentido de uma oração dita como um mantra, como que a expiar episódios, possibilidades, falhanƧos, recordaƧƵes, antepassados, animais, paĆses, homens, e a própria História. Uma História especĆfica: a da construção de Timor-Leste.
Ć assim que degusto o Ćŗltimo livro de LuĆs Cardoso, O plantador de abóboras. Ć assim que sinto a sua litania, a construção da linguagem de um mundo efabulado num quase realismo mĆ”gico, que encerra todas as verdades que nos cercam.
Como leitor, sinto a cadĆŖncia de imagens e situaƧƵes como algo repetitivo, como se a própria história Ć nossa volta fosse uma cantilena de repetiƧƵes e de erros, mas que no fundo insistimos no desejo esperanƧoso de alterarmos, de quebrarmos esta lógica perversa que resume o ser humano. Ć claro que o que nos conta LuĆs Cardoso, com o seu rosĆ”rio, com o seu evangelho, Ć© sobre um paĆs, libertado, e cuja libertação ainda traz marcas recentes e que estĆ£o em carne viva, e, por isso, sentimos na sua narrativa as vĆ”rias faces de um povo que busca apaziguar os seus tormentos e vislumbrar um futuro consistente.
Parafraseando um dos pensamentos elucidados por Eduardo Galeano, citando Fernando Birri, questionado para que serve a utopia, ele diz: āserve para que eu nĆ£o deixe de caminharā. Desta maneira leio O plantador de abóboras, como uma reza, uma repetição que, de tanto ser repetida, espanta os espĆritos que nos tiram o sono (pois eles existem), e anseia um futuro radioso.

…

…

…

…


…

…

…
