🔓 Li-Young Lee

Leia os poemas traduzidos "Você deve cantar", "Versões em fúria (nº 7)", "Travesseiro", "Natividade" e "Espelho noturno"
Li-Young Lee, poeta americano
01/01/2023

Tradução e seleção: André Caramuru Aubert

You must sing

He sings on his father’s arms, sings his father
to sleep, all the while seeing how on that face
grown suddenly strange, wasting to shadow,
time moves. Stern time. Sweet time. Because his father

asked, he sings; because they are wholly lost.
How else, in immaculate noon, will each find
each, who are so close now? So close and lost.
His voice stands at windows, runs everywhere.

Was death giant? O, how will he find his
father? They are so close. Was death a guest?
By which door did it come? All the day’s doors
are closed. He must go out of those hours, that house,

the enfolding limbs, go burdened to learn:
you must sing to be found; when found, you must sing.

Você deve cantar

Ele canta nos braços do pai, canta para levar o pai
ao sono, observando, naquele rosto,
algo estranho a crescer, e jogado no lixo das sombras,
o tempo corre. Tempo severo. Tempo doce. Porque seu pai

pediu, ele canta; porque estão totalmente perdidos.
De que maneira, no imaculado meio-dia, um encontrará
o outro, eles que são tão próximos? Tão próximos e perdidos.
Sua voz, nas janelas, avança em todas as direções.

Seria a morte um gigante? Oh, como ele encontrará seu
pai? Eles são tão próximos. Seria a morte uma visita?
Por que porta ela entrou? Todas as portas do dia
estão fechadas. Ele precisa sair daquele tempo, daquela casa,

os membros, envolventes, carregam o peso de aprender:
você deverá cantar para ser encontrado; e quando encontrado, deverá cantar.

Furious versions (#7)

Tonight, someone, unable
to see in one darkness,
has shut his eyes
to see into another.
Among the sleepers, he is one
who doesn’t sleep.
Know him by his noise.
Hear the nervous
scratching of his pencil,
sound of a rasping
file, a small
restless percussion, a soul’s
minute chewing,
the old poem
birthing itself
into the new
and murderous century.

Versões em fúria (nº 7)

Esta noite, alguém, incapaz
de ver numa escuridão,
fechou os olhos
para ver numa outra.
Entre os que dormiam, ele é
o que não dorme.
Sei quem é pelos ruídos.
Ouço o nervoso
rabiscar de seu lápis,
com o som de uma lima
áspera, uma leve
e incessante percussão, uma alma
mastigando minuciosamente,
o velho poema
dando à luz a si
neste novo
e sanguinário século.

Pillow

There’s nothing I can’t find under there.
Voices in the trees, the missing pages
of the sea.

Everything but sleep.

And night is a river bridging
the speaking and the listening banks,

a fortress, undefended and inviolate.

There’s nothing that won’t fit under it:
fountains clogged with mud and leaves,
the houses of my childhood.

And night begins when my mother’s fingers
let go of the thread
they’ve been tying and untying
to touch toward our fraying story’s hem.

Night is the shadow of my father’s hands
setting the clock for resurrection.

Or is it the clock unraveled, the numbers flown?

There’s nothing that hasn’t found home there:
discarded wings, lost shoes, a broken alphabet.

Everything but sleep. And night begins

with the first beheading
of the jasmine, its captive fragrance
rid at last of burial clothes.

Travesseiro

Não há nada que eu não possa encontrar lá debaixo.
Vozes nas árvores, as páginas do mar
que estavam faltando.

Tudo, exceto o sono.

E a noite é rio que numa ponte liga
as margens de quem fala e de quem ouve,

uma fortaleza, indefesa e inviolada.

Não há nada que não se encaixe sob ele:
fontes entupidas com lama e folhas,
as casas da minha infância.

E a noite começa quando os dedos de minha mãe
vão soltando os cordões
que vinham amarrando e desamarrando
para tocar na bainha de nossa desgastada história.

A noite é a sombra das mãos de meu pai
ajustando o relógio para a ressurreição.

Ou será o relógio desvendado, os números a flutuar?

Não há nada que não tenha encontrado um lar ali:
asas descartadas, sapatos perdidos, abecedário quebrado.

Tudo, exceto o sono. E começa a noite

com a primeira decapitação
do jasmim, sua fragrância cativa
livre, por fim, das roupas de enterro.

Nativity

In the dark, a child might ask, What is the world?
just to hear his sister
promise, An unfinished wing of heaven,
just to hear his brother say,
A house inside a house,
but most of all to hear his mother answer,
One more song, then you go to sleep.

How could anyone in that bed guess
the question finds its beginning
in the answer long growing
inside the one who asked, that restless boy,
the night’s darling?

Later, a man lying awake,
he might ask it again,
just to hear the silence
charge him, This night
arching over your sleepless wondering,

this night, the near ground
every reaching-out-to overreaches,

just to remind himself
out of what little earth and duration,
out of what immense good-bye,

each must make a safe place of his heart,
before so strange and wild a guest
as God approaches.

Natividade

Na escuridão, uma criança pode perguntar, O que é o mundo?
apenas para ouvir sua irmã
garantir, É uma ala não terminada do paraíso,
apenas para ouvir seu irmão dizer,
É uma casa dentro de uma casa,
mas, na maioria das vezes, para ouvir sua mãe responder,
Só mais uma canção e você vai dormir.

Como poderia qualquer um naquela cama saber
que a questão encontra seu começo
na resposta que lentamente cresce
dentro de quem perguntou, aquele menino inquieto,
o queridinho da noite?

Mais tarde, um homem desperto, deitado,
poderia perguntar novamente,
apenas para ouvir o silêncio
atingi-lo, Esta noite
que se arqueia sobre seus pensamentos insones,

esta noite, o solo próximo,
ultrapassado a cada tentativa de alcançá-lo,

apenas para ser lembrado
que para além de qualquer minúsculos terra e tempo,
que para além de qualquer imenso adeus,

cada um deverá fazer de seu coração um lugar seguro,
antes que um visitante estranho e selvagem,
como Deus, apareça.

Night mirror

Li-Young, don’t feel lonely,
when you look up
into great night and find
yourself the far face peering
hugely out from between
a star and a star. All that space
the nighthawk plunges through,
homing, all that distance beyond embrace,
what is it but your own infinity.

And don’t be afraid
when, eyes closed, you look inside you
and find night is both
the silence tolling after stars
and the final word
that founds all beginning, find night,

abyss and shuttle,
a finished cloth
frayed by the years, then gathered
in the songs and games
mothers teach their children,

Look again
and find yourself changed
and changing, now the bewildered honey

falling into your own hands,
now the immaculate fruit born of hunger.
Now the unequaled perfume of your dying.
And time? Time is the salty wake
of your stunned entrance upon
no name.

Espelho noturno

Li-Young, não se sinta só,
quando olhar para cima
para dentro da grande noite e perceber
que é um rosto distante a espiar
a imensidão que há
de uma estrela a outra. Todo aquele espaço
através do qual mergulha o falcão da noite,
regressando, toda aquela distância para além do abraço,
e o que é aquilo senão o seu próprio infinito?

E não sinta medo
quando, de olhos fechados, olhar para dentro de si
e descobrir que a noite é tanto
o silêncio a badalar pelas estrelas
quanto a palavra final
que fundou o início de tudo, que encontra a noite,

abismo e transporte,
e um pano despedaçado
desgastado pelos anos, e depois reunido
nas canções e jogos
que as mães ensinam aos seus filhos.

Olhe novamente
e veja como você mudou
e mudando, e agora o mel, perplexo,

escorre até suas mãos,
e agora o imaculado fruto que nasceu da fome.
E agora o inigualado perfume de sua morte.
E o tempo? O tempo é o despertar salgado
de seu ingresso, aturdido, onde
não se tem nome.

Li-Young Lee
Nasceu em Jacarta (Indonésia), em 1957. Sua família, de origem chinesa, outrora poderosa (o avô foi presidente), caiu em desgraça com o regime comunista (o pai foi prisioneiro político). Depois de uma longa peregrinação (Indonésia, Hong Kong, Macau, Japão), a família chegou aos Estados Unidos, onde Lee vive desde os sete anos de idade. Sua poesia mescla, com uma linguagem muito pessoal, a herança clássica chinesa e a contemporaneidade norte-americana.
André Caramuru Aubert

Nasceu em 1961, São Paulo (SP). É historiador formado pela USP, editor, tradutor e escritor. Autor de Outubro/DezembroA vida nas montanhas e Cemitérios, entre outros.

Rascunho