“As aves, que aqui gorjeiam,/ Não gorjeiam como lá”, disse o romântico poeta Gonçalves Dias em seu clássico Canção do exílio. Digo, ao meu caro Dias, que nos dias velozes da Internet de hoje, as aves trinam por todos os cantos do mundo, sem contemplações, ufanismos ou nostalgias. As pessoas são essencialmente aves migratórias, sem pouso fixo e, de fato, cidadãs deste mundo vasto mundo. Claro está que na memória afetiva de cada um há sempre um lugar especial de origem, mas este não interrompe, não atrapalha as asas na hora da partida.
“O meu coração migrou para outro peito”, canta um dos versos de Gabriela Ruivo Trindade, no livro Aves migratórias. Um poema dito à luz do amor, do encontro no outro, na procura de um território estranho, sagrado, onde se deseja fincar bandeiras de conquistas, mesmo que este pedaço de terra algures tenha a solidez da areia inconstante. Assim é no amor ou em qualquer outro território onde a fronteira só figura nos mapas e no preconceito vário alheio.
Gabriela diz: “os meus passos desenham o inverno/ os braços, catedrais silenciosas/ e os dedos, sombras nas arcadas”. E continua, (…) “terei de fazer minha a sua casa”. De cada gesto deste poema, um lenço descobre algo mais do que relações amorosas; pois quem migra de sua terra, deixa um amor às costas e vai à procura de outro peito que o acolha com o mesmo afeto da sua casa natal. A escritora portuguesa migrou há quase duas décadas para Londres, e lá se encontra bem noutro peito que passou a chamar de seu.
Contudo, há versos que rabisco ao observar Gabriela, no seu quase silêncio, quando agora migra temporariamente (já que a vida é esta migração constante) para Portugal a fim de matar a saudade (sempre esta ilusão de que um dia será saciada). Leio com os meus olhos presos à objetiva, que a enquadra, que os mares que cá cantam, não são os mesmos que cantam em outro mar. Neste fado de águas, há qualquer coisa de código genético que não conseguimos adulterar, por mais que migremos.
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