🔓 Fernando Chagas Duarte

Ensaio fotográfico de Fernando Chagas Duarte
Foto: Ozias Filho
01/10/2022

Quanto de verdade, ilusão ou desejo encerram os escritos de cada escritor? Quanto da realidade é o seu olhar e não o do outro, ou uma metamorfose do relato do outro? Ou nós somos falaciosamente o outro? Quando escrevemos uma história, seja ela qual for, existe imparcialidade, ou há este poder que a caneta nos confere de sermos deuses, mesmo que seja apenas para alterar uma vírgula? A nossa realidade fantasiada será realidade às retinas do leitor? Será este o destino dialético, num processo de eterno confronto entre aquilo que vemos com os olhos e o que nos dizem os livros? Se assim for, o que é a verdade?

Inspirado nos relatos da sua companheira, Rita Fernandes Silva, o português Fernando Chagas Duarte visita um país imaginário, que não é o seu, chamado Brasil. E constata pelo exercício da credibilidade do relato, e da licença literária que é do seu dever, a existência de várias cidades brasileiras (que se estende a outros pontos deste vasto mundo lusófono), que pairam num tempo, e lugar, fora do frenesi a que estamos expostos. Identifica aromas, ressaibos de antanho, do tempo da sua meninice, que contrastam com outras paragens onde as cidades nos devoram.

Nesta máquina do tempo imaginária, que lhe chega pela oralidade, por exemplo, o pequeno distrito de Cruzinha, em Minas Novas, no Brasil, cheira a uma qualquer aldeia de Trás-os-Montes, em Portugal, com seus costumes e os modos de vida que resistiram à mudança. Mas será mesmo assim? Ou a nossa vontade de permanecer quietos num canto qualquer da história despoleta este sentido maior de ver coisas que já não mais existem? Este olhar de um escritor-turista que revisita, na verdade, a ele próprio, ao seu desejo legítimo de voltar a um tempo improvável. A incapacidade de a todo o momento acompanhar, par e par, o novo cada vez mais novo, que a tecnologia imprime ao dia a dia e que não se extingue.

Voltar atrás no tempo, estando com os pés no presente, com a modernidade do futuro à frente de nós, que no instante seguinte, já tem o cheiro do obsoleto. Estados de tempo, e de espírito, sem sair do lugar. Algo que beira à insanidade ou a uma película de ficção científica, onde por mais evoluída que esteja a sociedade, o ser humano continua fazendo as mesmas perguntas de outrora.

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho

Foto: Ozias Filho
Fernando Chagas Duarte
Nasceu em Lisboa (Portugal), é doutorado em Geografia pela UNL. Sua trajetória inclui textos em coletâneas, antologias, cinco livros de poesia, e um romance. Publicou …quase cem poemas de amor e outros fragmentos (2014); seguem-se A hora das coisas (2016) e As palavras que faltam (2018), pela Pastelaria Studios. Passando a preferir a edição de autor, publica Oblíquos (2018) e O voo da flor enquanto rosa (2019). Na ficção, em 2022 pela Kotter, publicou o primeiro romance, No fim de um lugar, que são histórias de “gente que se quebra e constrói como coisas de extremo valor”.
Ozias Filho

Nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1962. É poeta, fotógrafo, jornalista e editor. Autor de Poemas do dilúvioPáginas despidas, O relógio avariado de DeusInsularesOs cavalos adoram maçãs e Insanos, estes dois últimos, em 2023). Como fotógrafo tem vários livros publicados e integrou a iniciativa Passado e Presente – Lisboa Capital Ibero-americana da Cultura 2017. Publicou em 2022 o seu primeiro livro infantil, Confinados (com ilustrações de Nuno Azevedo). Vive em Portugal desde 1991.

Rascunho