Quanto de verdade, ilusão ou desejo encerram os escritos de cada escritor? Quanto da realidade é o seu olhar e não o do outro, ou uma metamorfose do relato do outro? Ou nós somos falaciosamente o outro? Quando escrevemos uma história, seja ela qual for, existe imparcialidade, ou há este poder que a caneta nos confere de sermos deuses, mesmo que seja apenas para alterar uma vírgula? A nossa realidade fantasiada será realidade às retinas do leitor? Será este o destino dialético, num processo de eterno confronto entre aquilo que vemos com os olhos e o que nos dizem os livros? Se assim for, o que é a verdade?
Inspirado nos relatos da sua companheira, Rita Fernandes Silva, o português Fernando Chagas Duarte visita um país imaginário, que não é o seu, chamado Brasil. E constata pelo exercício da credibilidade do relato, e da licença literária que é do seu dever, a existência de várias cidades brasileiras (que se estende a outros pontos deste vasto mundo lusófono), que pairam num tempo, e lugar, fora do frenesi a que estamos expostos. Identifica aromas, ressaibos de antanho, do tempo da sua meninice, que contrastam com outras paragens onde as cidades nos devoram.
Nesta máquina do tempo imaginária, que lhe chega pela oralidade, por exemplo, o pequeno distrito de Cruzinha, em Minas Novas, no Brasil, cheira a uma qualquer aldeia de Trás-os-Montes, em Portugal, com seus costumes e os modos de vida que resistiram à mudança. Mas será mesmo assim? Ou a nossa vontade de permanecer quietos num canto qualquer da história despoleta este sentido maior de ver coisas que já não mais existem? Este olhar de um escritor-turista que revisita, na verdade, a ele próprio, ao seu desejo legítimo de voltar a um tempo improvável. A incapacidade de a todo o momento acompanhar, par e par, o novo cada vez mais novo, que a tecnologia imprime ao dia a dia e que não se extingue.
Voltar atrás no tempo, estando com os pés no presente, com a modernidade do futuro à frente de nós, que no instante seguinte, já tem o cheiro do obsoleto. Estados de tempo, e de espírito, sem sair do lugar. Algo que beira à insanidade ou a uma película de ficção científica, onde por mais evoluída que esteja a sociedade, o ser humano continua fazendo as mesmas perguntas de outrora.
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