No início de 2020, altura em que este texto começou a ser gizado, longe estávamos de adivinhar o que nos reservava o futuro. Não existia no nosso vocabulário a Covid-19 e as suas consequências para a saúde e economia, que nos obrigou a assumir novas rotinas e comportamentos. Lisboa nesta altura era, literalmente, um enxame de gente, uma autêntica Babel linguística. A cidade estava na moda e, por vezes, se quiséssemos ouvir a língua portuguesa tínhamos que conversar em voz alta connosco. Exageros à parte era assim o dia a dia desta capital banhada pelo Tejo.
No entanto, veio a pandemia e Lisboa deixou de ser a “Lisboa” dos turistas (que implicou uma descaracterização gradual da cidade), dos portugueses e dos próprios lisboetas. A cidade passou a pertencer a uma outra natureza; àquela dos pássaros, da cadência das marés, das intempéries do tempo, da sua luz única, e eventualmente de algumas poucas pessoas obrigadas a trabalhar para que não faltasse o essencial às nossas casas. O silêncio instalou-se um pouco por todo lado e a cidade, antes polvilhada de gente, entregou-se ao vazio a perder de vista.
No livro Dormir com Lisboa, a portuguesa Fausta Cardoso Pereira, com a intuição daqueles que pressentem uma estranheza no que há-de vir, antes das outras pessoas, vaticina que a sua Lisboa personagem (que descreve como uma mulher de lábios vermelhos, sensual, enigmática e de braços abertos) é o inimigo “que, por qualquer razão começa a abrir buracos na calçada por onde desaparece quem nela passa, buracos que depois rapidamente se fecham, como se nada tivesse acontecido.” E, de facto, a sua Lisboa ficcionada saiu do livro e generalizou-se em realidade. Lisboa agora era o nome de todas as cidades do mundo.
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