O poema dura na queda diz: “Olhar para o alto/ no grito do falcĂŁo/ o/ aviso/ para antecipar o voo/ em pleno ar/ ao/ invĂ©s de cair/ eu/ poderia apenas/ ter feito um poema”. Eu nĂŁo resisto em fazer um trocadilho fácil entre o tĂtulo do poema, um daqueles que estĂŁo no livro Viseira, com o nome da sua escritora. Assim sendo o altero, sem autorização, para Duda na queda. O faço, já que tudo o que está escrito no poema, diz muito da sua autora, e do que a cerca. Nas quase duas horas em que estive em conversa com a poeta, fica claro que, de fato, como diria Luiza Neto Jorge, “O poema ensina a cair/ sobre os vários solos”. A escritora brasileira Duda Las Casas alterna entre o voo e a queda com a experimentação da poesia, nas várias faces que compõem um enorme caleidoscĂłpio que se funde com a vida.
Como imigrante em Portugal, Duda faz da palavra, e da poesia em particular, a sua forma de sobrevivĂŞncia real e metafĂłrica. Como pesquisadora da lĂngua portuguesa, usa a palavra nas suas diversas iniciativas. Uma delas como consultora, ou psicĂłloga, ou como uma divindade que usa as suas cartas-palavras (um tarĂ´ poĂ©tico) para interceder na vida do outro dando resposta aos seus questionamentos, e deste seu oráculo nĂŁo sĂł leva a poesia ao outro, como faz da experiĂŞncia o seu prĂłprio laboratĂłrio e sustento. Mais que isso, a escritora Ă© uma colecionadora de imagens e de objetos lĂşdicos, que ela integra nas suas performances.Por todo este universo, de oráculos-imagens-objetos-brinquedos-bugigangas, que faz parte do seu modo literário de viver, Duda (que em espanhol significa dĂşvida) faz irromper na vida de outrem, e dela prĂłpria, o questionamento de quanto vale um poema. Vale muito, vale pouco, vale o seu peso em ouro, ou o preço da banana na feira? Vale o peso dos silĂŞncios, das dĂşvidas, da expiação, dos descaminhos? Ou vale a luz, a clareza que eleva o espĂrito Ă transcendĂŞncia, Ă libertação, Ă catarse? Ou será apenas uma maneira de constelar as palavras… divinizá-las? Por isso, eu nĂŁo resisto em fazer outro trocadilho fácil com o tĂtulo do poema: DĂşvida na queda.
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