No dia 17 deste mĂŞs, participei num webinário com dois editores, um brasileiro e um portuguĂŞs, sobre a circulação de livros entre os paĂses de lĂngua oficial portuguesa, organizado pela Frente Cultural de LĂngua Portuguesa, sedeada no Brasil. A conclusĂŁo a que chegámos foi simples e dramática: os nossos prĂłprios livros nĂŁo circulam entre nĂłs.
A maneira mais fácil de explicar essa realidade Ă©: nĂŁo há mercado. Isso Ă© verdade, mas o mais importante, quanto a mim, Ă© identificar a razĂŁo ou as razões por detrás disso. A primeira Ă©, naturalmente, mais do que o tamanho fĂsico (demográfico) do mercado de lĂngua portuguesa, a situação econĂłmica e social dos nossos paĂses. O paĂs mais estável da CPLP, neste momento, Ă© Portugal, mas Ă© um paĂs pequeno; o Brasil e Angola, que sĂŁo, em termos geográficos e populacionais, os maiores paĂses da comunidade, atravessam gritantes dificuldades econĂłmicas e sociais e os seus mercados (consumidores) estĂŁo longe de condizer com o nĂşmero dos seus habitantes. Angola, apesar das suas riquezas naturais, Ă© um paĂs literalmente pobre.
Mas essa nĂŁo Ă© a Ăşnica razĂŁo para a exiguidade do mercado livreiro de lĂngua portuguesa. A segunda Ă© um problema cultural das nossas sociedades: as nossas populações nĂŁo tĂŞm hábitos de leitura. Todos os rankings existentes, em especial os organizados pela Unesco, confirmam que os paĂses de lĂngua portuguesa estĂŁo muito aquĂ©m, por exemplo, dos paĂses nĂłrdicos, dos Estados Unidos e da França, em termos de livros lidos anualmente, em mĂ©dia, pelos seus cidadĂŁos.
Os primeiros responsáveis, embora nĂŁo os Ăşnicos, por essa situação sĂŁo os nossos governos. Angola, por exemplo, investe apenas quatro por cento em educação. Mas as notĂcias que vamos sabendo dos restantes paĂses da nossa comunidade nĂŁo sĂŁo muito melhores. Observar o retrocesso verificado no Brasil em matĂ©ria de educação e pesquisa, travando a luta iniciada com o presidente Lula para superar a herança colonial nesse domĂnio, Ă©, para usar uma castiça expressĂŁo lusitana, uma dor de alma.
Sem investimento na educação, nĂŁo pode haver hábitos de leitura. Ultimamente, os arautos das novas tecnologias e do pensamento tecno-financeiro dominante, querem convencer-nos que isso pode ser resolvido pelo acesso generalizado Ă Internet. NĂŁo. A Internet Ă©, sem dĂşvida, uma ferramenta cada vez mais indispensável, mas o hábito de leitura deve aprender-se em casa e, sobretudo, na escola. Aprender a ler e, principalmente, aprender a escolher o que se ler e como fazĂŞ-lo Ă© um exercĂcio societário, logo, comum ou comunitário.
A imagem da fogueira ou da roda em torno da qual os nossos ancestrais se reuniam para ouvir contar histórias tem de ser lembrada, para acentuar o caráter comunitário desse aprendizado, por mais solitário que, com a transformação da humanidade, o hábito de ler se tenha tornado. Lançar os jovens na selva que, como todos o sabemos, o mundo digital também é, e dizer-lhes “Virem-se!” não é, em absoluto, um exemplo de boa governação.
Investir em educação em sentido lato e verdadeiramente humanista, ou seja, não apenas em engenheiros e economistas com complexo de contabilistas, obcecados com folhas de cálculo e limites do défice, deve ser, portanto, a primeira responsabilidade de qualquer governo.
Essa visĂŁo “contabilĂstica” dos nossos governos Ă© a terceira razĂŁo que dificulta a existĂŞncia de um verdadeiro mercado livreiro de lĂngua portuguesa, criando obstáculos particulares Ă circulação de livros entre os paĂses da nossa comunidade.
Em Angola, por exemplo, a importação de livros de literatura Ă© obrigatoriamente taxada com 25 por cento, a tĂtulo de direitos alfandegários. Desconheço os encargos que recaem sobre os livros nos outros paĂses da CPLP, mas, por exemplo, enviar livros pelo correio para o Brasil Ă© uma aventura. Por outro lado, comprar livros brasileiros, mesmo via online, Ă© impossĂvel para quem nĂŁo for cidadĂŁo do paĂs, pois, para tal, Ă© exigido um documento fiscal brasileiro, o CPF (Cadastro de Pessoa FĂsica). Um absurdo.
Entretanto, nĂŁo sĂŁo apenas estas razões, digamos assim, macro que dificultam o desenvolvimento de um mercado do livro para os autores de lĂngua portuguesa que abranja todos os paĂses membros da CPLP e que seja economicamente viável. Como praticante de marketing durante vários anos, sei que os mercados podem ser criados. É essa a função do marketing. Alguns agentes do mercado, nomeadamente editoras e distribuidoras, estĂŁo perfeitamente acomodados, recusando-se a usar estratĂ©gias diferenciadas para descobrir e “criar” novos leitores (nĂŁo estou a referir-me aos leitores digitais) e ir ao encontro deles, por vezes por causa de complexos sociais (de classe) e atĂ© ideolĂłgicos. Em prĂłximo artigo, falarei sobre esse tema concreto.
Por seu turno, a Frente Cultural da LĂngua Portuguesa anunciou que vai realizar outras discussões sobre esta temática, centradas em aspetos especĂficos da mesma e, sobretudo, procurando formular ideias para resolver ou pelo menos minimizar os problemas identificados. Todos os agentes, entidades e instituições envolvidas ou que lidam com o livro nos nossos paĂses deveriam ter um interesse prioritário em participar nesta ampla discussĂŁo.
*** O autor escreve conforme o acordo ortográfico e a variante angolana da lĂngua portuguesa.