(…) que o abrir-se / o abrir-se incendeia tudo
Alguns livros são perigosos e não devem ser abertos impunemente. No entanto, carregam em si algo de desafio, de sedutor, de abertura a novos mundos e experiências, contraria a máquina da rotina a que nos habituamos. Se à entrada de qualquer espaço constar a tabuleta de PERIGO, o nosso desejo — pelo menos no plano das intenções — já está pronto para atravessar aquela porta, e muitas vezes o fazemos. Não podemos dizer depois que as evidências não estavam às claras.
À porta de Um objeto cortante, de Alexandra Maia, todos os avisos estão bem luminosos, quer no tÃtulo, que fere fundo; quer na cor, vermelha bordeaux sedutora; quer ainda, nas palavras do escritor Ondjaki, que ensaiam uma apresentação, e alertam que estes objetos tocam e podem fazer doer. E de fato há neste pequeno objeto de prazer, poemas que não nos deixam indiferentes, pois que são tão profundos e fazem doer sob a pele.
Como uma teia, que nos vai aos poucos enredando, cada poema-porta-aberta-que-depois-se fecha revela o quão embrenhados vamos ficando a cada passo e, assim, não conseguimos mais ver por onde entramos e, muito menos, vislumbramos a porta de saÃda. Quanto mais avançamos, mais nos demoramos — por querer —, na lentidão de cada palavra, que nos devolve um qualquer reflexo por nós conhecido. Uma sala de espelhos que mais confunde do que liberta, pois que ler também é divergir, é não acreditar no que o reflexo devolve à s retinas.
Alguns livros são perigosos, e quando conseguimos sair dos seus domÃnios, reparamos que apesar de sermos os mesmos, a estranheza do final da sessão de cinema instalou-se de tal maneira que ao sairmos a luz do sol magoa os olhos. E as perguntas, no Ãntimo, continuam a ecoar: Onde os pés? Onde a porta? Existe?
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