🔓 A raposa e as galinhas

Temos batido recordes atrás de recordes de desmatamento — não só na Amazônia, mas também na Mata Atlântica e no Pantanal. Ou seja, estamos nos destruindo
Ilustração: FP Rodrigues
11/06/2021

Ecológico (a) leitor (a), não sei se você vem acompanhando, mas sob o governo deste, Deus que me perdoe, presidente Jair Bolsonaro, onde todas as notícias são as piores possíveis, temos batido recordes atrás de recordes de desmatamento. E, não por acaso, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, encontra-se sob investigação, suspeito de ter montado, a partir de seu gabinete, um balcão destinado a favorecer empresários em negócios de desflorestamento e venda ilegal de madeira… Sim, querido (a) leitor (a), aqui neste país, nada mais surpreende… Nem mesmo colocarem a raposa para tomar conta do galinheiro…

Em 2020, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a taxa de desmatamento da Amazônia foi a maior dos últimos 20 anos — e, preste atenção, nós estávamos em plena gangorra da pandemia, quando, sabemos, os negócios, até mesmo os ilícitos, conheceram um arrefecimento. E a situação continua a piorar. Em abril deste ano, o desmatamento da região teve um salto de 42% em relação a março, registrando a maior área destruída no período de um mês, desde quando o monitoramento foi iniciado.

Assim também, a Mata Atlântica, que corria do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, hoje reduzida a 7% da área original, continua a ser devastada. Segundo levantamento da SOS Mata Atlântica em conjunto com o Inpe, entre 2019 e 2020, a região perdeu o equivalente a 18 mil campos de futebol, 14% a mais do que o observado entre 2017 e 2018. E em 2020, você deve se lembrar, o Pantanal viveu a maior tragédia de sua história. Em julho daquele ano, o Inpe registrou 1.684 focos de incêndio na região, e os rios atingiram o menor nível em cinquenta anos.

Nunca é demais lembrar que vivemos num precário equilíbrio na Terra. O desmatamento não afeta apenas os bichos e os povos da floresta, como você, talvez, incauto (a) leitor (a), possa imaginar. Ele afeta a sua vida — e, mais ainda, a de seus descendentes. Sem floresta, não há água e, como você sabe, sem água não há vida. Portanto, nós, que pertencemos aos 80% da população brasileira que moram na cidade, devemos nos preocupar sim com o que acontece nas florestas, que muitas vezes percebemos como algo tão longínquo quanto Marte. Se não fizermos algo, urgentemente, não será apenas a fauna e a flora selvagens extintas — mas a própria Humanidade.

Luz na escuridão
Ronaldo Werneck, poeta, cronista, ensaísta:

“Finalizo o livro Cataguases Século XX / antes & depois, panorama histórico-cultural, focado na cidade modernista — literatura, cinema, arquitetura — e abrindo também espaço para a cidade geográfica e seu sítio habitado, a historicidade: a cidade-cidadã, cotidiana, comunitária. Mas, afora seus monumentos modernos — de ferro e fita, de pedra e tinta — a cidade vive mesmo é no compasso de suas gentes. E não há como abordá-la sem que sejam conectados os fios onde a vida pulsa. Reencontro uma Cataguases de séculos pela voz de quem mais sabe. Quem mais habilitado para contar essa história que é sua própria história? Quem mais autorizado, quem mais autoridade que essa gente, essas gentes? Passaram todos por aqui, revelados e se revelando em sua essência de personagens-fundadores. Urbe e civita. Quem senão esses nomes cujas vidas se imbricam para formatar uma só vida, uma só vera/cidade?”

Parachoque de caminhão
“A compaixão é uma forma de amor e, de fato, a sua maior expressão.”
Isaac Bashevis Singer (1904-1991)

Antologia pessoal da poesia brasileira
Carlos Pena Filho
(Recife, PE – 1929-1960)

A solidão e sua porta
A Francisco Brennand

Quando mais nada resistir que valha
a pena de viver e a dor de amar
e quando nada mais interessar,
(nem o torpor do sono que se espalha)

Quando, pelo desuso da navalha
a barba livremente caminhar
e até Deus em silêncio se afastar
deixando-te sozinho na batalha

a arquitetar na sombra a despedida
do mundo que te foi contraditório,
lembra-te que afinal te resta a vida

com tudo que é insolvente e provisório
e de que ainda tens uma saída:
entrar no acaso e amar o transitório.

(Livro geral, 1959)

Luiz Ruffato

Publicou diversos livros, entre eles Inferno provisório, De mim já nem se lembra, Flores artificiais, Estive em Lisboa e lembrei de você, Eles eram muitos cavalos, A cidade dorme e O verão tardio, todos lançados pela Companhia das Letras. Suas obras ganharam os prêmios APCA, Jabuti, Machado de Assis e Casa de las Américas, e foram publicadas em quinze países. Em 2016, foi agraciado com o prêmio Hermann Hesse, na Alemanha. O antigo futuro é o seu mais recente romance. Atualmente, vive em Cataguases (MG).

Rascunho