Conversa com Joca Reiners Terron
1.
Carola: Da última vez que nos encontramos, em Portugal, no Festival de Óbidos (novembro de 2019), o mundo já era este, mas ainda era outro. Lembro que depois, no evento na Travessa de Lisboa, falamos sobre esse “ponto de não retorno”. Por outro lado, tudo parece a permanência de uma mesma narrativa. O que é ruptura, o que é repetição?
Joca Terron: Essas parecem lembranças de uma vida passada, nĂŁo? Viajávamos, fazĂamos reuniões em pĂşblico, frequentávamos livrarias. Talvez a gente esteja no pĂłs-vida e nĂŁo saiba. Bem, aĂ na Alemanha deve estar diferente. Já aqui nĂŁo temos perspectiva de normalidade. Com certeza vocĂŞ conhece aquele aforismo do Kafka que diz: “A partir de certo ponto nĂŁo há mais retorno. É este o ponto que tem de ser alcançado”. Descrito assim dessa forma desafiadora, o limite parece belo, carrega algo da inevitabilidade do trágico. Agora que de certa forma o atingimos, porĂ©m, essa beleza parece uma ruĂna frágil e sem sentido. Enquanto penso nestas linhas, um amigo me zapeou dizendo que se sente deprimido. “Estou no deserto, caminhando na direção de um oásis que de tanto em tanto se revela uma miragem.” Acabou de tomar a segunda dose e, segundo ele, “nada aconteceu”. Tudo permaneceu igual, ou diferente, já que o “igual” Ă© o passado que nĂŁo volta mais, ao menos como era. De fato, entendo o que meu amigo diz: com o isolamento, a concretude das coisas externas e dos outros corpos, dos amigos e afetos, tornou-se uma miragem, enquanto que a miragem — o convĂvio atravĂ©s de telas, a abstração das ausĂŞncias — adquiriu um caráter concreto, nosso Ăşnico horizonte, ou ao menos o mais frequente. Chegamos ao ponto de nĂŁo retorno. E agora? Tem uma ruptura aĂ, Carola, mas será que de algum modo nĂŁo fomos rompidos tambĂ©m?
Carola: Fiquei muito tempo pensando na sua pergunta: “Será que nĂŁo fomos rompidos tambĂ©m?”. Eu diria que sim e nĂŁo, pois somos ao mesmo tempo ruptura e repetição. Há uma espĂ©cie de sistema homeostático que nos leva a buscar um “passado a que se agarrar”, e ao mesmo tempo somos confrontados (agora mais do que nunca) com o fato de que nĂŁo há esse passado. Me lembrei do livro Esferas da insurreição, da Suely Rolnik, onde ela cita a performance “Caminhando”, da Lygia Clark: uma fita de Moebius que a artista corta ao meio com uma tesoura, e existem duas formas de fazer esse corte, um Ă© seguir a linha do meio, que no final nos oferece duas fitas idĂŞnticas, ou fazer um deslocamento, o que provoca como resultado uma fita que assume outros formatos, estranhos e inesperados. A segunda opção causa angĂşstia, mas talvez seja possĂvel criar algo belo ou muito antigo ou inesperado a partir dessa ruptura.
Joca Terron: É preciso coragem. No entanto, nĂŁo consigo ser otimista em relação Ă aceleração tecnolĂłgica das relações humanas que a pandemia vem ocasionando. VocĂŞ deve lembrar daquele ensaio fotográfico de Eric Pickersgill, no qual ele retira os celulares das mĂŁos das pessoas em diversas situações cotidianas, expondo a solidĂŁo e o sem sentido que o aparelho provoca, um casal na cama, cada um para o seu lado olhando o vazio, uma mĂŁe e a filhinha no sofá, sem interagirem, apenas com aquele vazio entre as mĂŁos. E se nessas fotografias substituĂssemos os celulares por livros, a sensação de vazio e solidĂŁo persistiria para quem observar as imagens? O livro Ă© uma máquina emblemática da era tecnolĂłgica que estamos deixando, talvez iniciada com o Iluminismo, e o celular simboliza a que inauguramos agora, com nossas vidas governadas por algoritmos e ditadas por governantes via Twitter. Agora imagine uma mĂŁe solteira que vive com um salário mĂnimo, tem trĂŞs filhos em idade escolar impedidos de irem Ă escola por causa da pandemia, e com apenas um celular prĂ©-pago em casa. Passamos do analfabetismo para a era pĂłs-alfabĂ©tica num pulo, e agora?
2.
Carola: Uma pergunta que eu me faço frequentemente e que de certa forma, vocĂŞ aborda em sua literatura, Ă© o lugar do escritor nesta Ă©poca que vivemos. Que lugar, num sentido Ă©tico, mas tambĂ©m existencial nos resta? De sobrevivente (digo atĂ© mesmo num sentido literal, já que escrever se torna cada vez mais difĂcil em termos financeiros), de observador (penso no belĂssimo final de A morte e o meteoro)? Um cronista que afunda junto com o barco? O guerreiro de uma batalha perdida? Um (re)construtor de mundos? AlguĂ©m que salta gritando no abismo? Cito a Ida Vitale Ă guisa de complemento (com mais radicalidade e beleza) a essas perguntas:
La Gran Pregunta
¿QUÉ hacer? ¿Abrir al mar la estancia de la muerte? ¿O enterrarse entre piedras que encierran amonitas fantasmas y prueban que fue agua este humano desierto?
Joca Terron: VocĂŞ Ă© muito gentil, obrigado. O lugar do escritor sempre foi instável. Quando ando pelas ruas e vejo as pessoas, procuro pensar mais no lugar dos outros, daqueles que nĂŁo escrevem (e como ter certeza disso?; pode ser que todos os vagantes por aĂ sejam escritores): do que vive aquele ali, naquele carrĂŁo parado no sinal? De onde tira seu dinheiro? Ou a senhora que hesita entre o litro de leite e o Corote de cachaça no caixa do supermercado? Estabilidade nĂŁo pode gerar inquietude (penso nos tantos livros produzidos pelos reconfortantes sistemas de bolsas e residĂŞncias europeu e norte-americano, quase todos esquecĂveis). Por outro lado, sĂł o que vemos Ă© instabilidade, esse lugar nĂŁo Ă© mais ocupado somente pelo artista e pelo miserável. A sociedade se equilibra como um funambulista numa corda atada apenas numa das extremidades. E isso nĂŁo pode ser, querem roubar nosso protagonismo no fracasso. Mas gosto dessa tua imagem do escritor como alguĂ©m que salta gritando no abismo. O escritor Ă© o oposto do rato, Ă© o Ăşltimo a abandonar o barco. Na escuridĂŁo a literatura funciona como o fĂłsforo, brilha mais no instante em que tenta morrer. Como disse Barthes, mais ou menos.
Carola: Sim, a literatura se faz a partir da falta, mas quando tudo Ă© falta, o que resta? Talvez a coragem de um projeto destinado ao fracasso, colocar palavras no indizĂvel, nisso que nĂŁo tem lĂłgica, que nĂŁo assume nem mesmo a efĂŞmera concretude da palavra. Penso que há muitas formas de fracassar.
Joca Terron: Sem dĂşvida, e uma delas Ă© desertar. Por falar em Kafka, tem uma frase dele que diz que o escritor Ă© aquele que se recusa a permanecer na fileira dos assassinos. Bem, nĂŁo lembro onde li isso e se a frase era essa mesma, devo estar adulterando algo. O que importa, em tempos nos quais o assassinato Ă© a regra e polĂticos o defendem Ă s claras sem qualquer penalização, Ă© desertarmos dessa guerra que nem fez ArquĂloco, o desertor. É claro que desertar nĂŁo implica no abandono da minha vontade de surrar bolsonaristas com um saco de feijĂŁo.
3.
Carola: VocĂŞ fez a curadoria de uma coleção de literatura hispano-americana, “Otra lĂngua”, para a Rocco, e trouxe para o Brasil autores que eu amo, como Juan Emar e Mario Levrero. E nĂŁo sĂł eles, uma sĂ©rie de nomes praticamente desconhecidos entre nĂłs. Mesmo assim, eu sempre tenho a sensação de que há uma barreira quase intransponĂvel que nos separa do resto do continente. NĂŁo acho que seja uma questĂŁo do idioma, já que o idioma nĂŁo nos impede de consumir toda a indĂşstria cultural que vem dos EUA. De certa forma, nĂŁo Ă© uma surpresa, já que valem mais as relações de poder polĂtico e econĂ´mico do que a localização geográfica ou atĂ© mesmo a histĂłria em comum. Por outro lado, sinto que perdemos todos e que essa incomunicação acaba nos afundando ainda mais no legado pĂłs-colonial.
Joca Terron: Desde a “Otra LĂngua”, o cenário mudou um pouco. Hoje temos editoras com foco quase exclusivo na publicação de hispano-americanos, como MundarĂ©u, Incompleta, Moinhos, acho que dá para incluir Relicário e Instante nessa, alĂ©m da pioneira Iluminuras. E as editoras maiores tambĂ©m tĂŞm investido nisso, de forma que estamos em situação menos pior que a dos hermanos, que ignoram nossa literatura. Por outro lado, a publicação de chilenos, argentinos, colombianos, peruanos, bolivianos e mexicanos por aqui Ă© resultado da aceitação desses autores na Europa e nos EUA, Ă© um reflexo disso e dos programas de subsĂdio Ă tradução desses paĂses. TambĂ©m deve ser levado em grande conta o apoio que a matriz espanhola fornece, e aĂ sim existe um tráfego de duplo sentido, ao menos no que se refere Ă herança colonial: a Espanha se vĂŞ como dona da lĂngua espanhola (o Dicionario de la Real Academia Española Ă© o maior sĂmbolo dessa postura imperialista), portanto nĂŁo exclui subsidiar traduções e intercâmbio com autores latino-americanos. Algo assim com brasileiros a partir de Portugal seria impensável. Falamos outra lĂngua que nĂŁo a deles. Nesse sentido, vejo o atual cenário da literatura brasileira, com o fortalecimento de literaturas da diáspora africana e indĂgena, como contribuição de grande força no sentido da descolonização. Creio que no MĂ©xico tem se intensificado a discussĂŁo sobre o uso de lĂnguas originárias na escrita, assim como no Paraguai. E tem a contribuição anárquica do portunhol selvagem de Wilson Bueno e Douglas Diegues, que se insere no rastro da Antropofagia, evidenciando a imbricação entre o linguĂstico e o polĂtico. Mas ainda dá para fazer muito nesse sentido. E na Alemanha, existe algo relativo Ă produção literária de imigrantes, por exemplo o uso literário do turco ou de lĂnguas asiáticas, ou discussões do tipo?
Carola: Sim, a Alemanha vem passando por uma ressignificação do que seria a chamada “cultura alemã”, que inclui a eterna discussĂŁo entre aqueles que se apegam a uma “verdadeira cultura alemã” e os que se abrem para as mudanças pelas quais o paĂs está passando, a Alemanha Ă© hoje em dia um paĂs multicultural. E isso aparece tambĂ©m na literatura e suas questões polĂticas. É uma longa e complexa discussĂŁo, mas trago para a nossa conversa um aspecto: na minha opiniĂŁo, vem dessas “outras literaturas”, mas que sĂŁo tambĂ©m parte da literatura alemĂŁ (Ă© essencial dizer isso), algumas das tendĂŞncias mais interessantes.
Joca Terron: Na literatura de lĂngua inglesa, a contribuição de descendentes de imigrantes já Ă© decisiva, nĂŁo? Basta verificar o nĂşmero deles na Ăşltima seleção da Granta de melhores escritores de lĂngua inglesa, com nomes como Sunjeev Sahota, Taiye Selasi, Xiaolu Guo, etc. No caso brasileiro, ainda falta muito a ser feito no sentido daquilo que Damián Tabarovsky chama de “estratĂ©gia da lĂngua” diante da sintaxe. Temos ficcionistas que escrevem bem, mas numa prosa anĂłdina e descompromissada com a lĂngua brasileira. Leem norte-americanos em tradução pasteurizada, e acabam escrevendo numa prosa que resulta num inglĂŞs mal traduzido. Esse equĂvoco poderia gerar algo interessante, sou pela contribuição milionária de todos os erros, mas nĂŁo tem sido o caso. O antĂdoto seria ler literatura brasileira, principalmente anticanĂ´nica, mas o ranço por aquilo que Ă© brasileiro atinge atĂ© escritores brasileiros, o que me parece um paradoxo insolĂşvel.
4.
Carola: [Ricardo] Piglia diz que o grande escritor Ă© aquele que inventa os seus leitores. É possĂvel inventar leitores num paĂs sem leitores como o Brasil?
Joca Terron: Entendo o que Piglia diz, embora considere essa visĂŁo meio solipsista e romântica. Prefiro compreender a literatura como solidária em vez de solitária. A valorização da leitura antecede a da escrita, e o que estamos vendo hoje no Brasil, o adensamento cultural em torno de literaturas produzidas por pessoas negras, indĂgenas ou mesmo fruto dos diversos feminismos, Ă© resultado de polĂticas educacionais inclusivas de anos anteriores. Quando me refiro a cultura, quero dizer que os livros que tĂŞm feito sucesso atualmente nĂŁo nasceram por geração espontânea, mas de um ambiente cultural que veio se fortalecendo nas Ăşltimas dĂ©cadas, que agora culmina na ampliação do seu alcance. DaĂ que isso nasceu e agora precisa ser cuidado, para que continue a existir e atinja ainda mais leitores. Pense na literatura surgida do influxo do existencialismo, O jogo da amarelinha, por exemplo. Seria o mesmo ler esse romance agora, que o existencialismo morreu (como moda, como sistema de influĂŞncia), e antes, vestido de preto, com Ăłculos escuros, um cigarro no canto dos lábios num cafĂ© qualquer do mundo, porĂ©m imaginando que se está em Paris? NĂŁo creio. Por isso, o fortalecimento do atual cenário da literatura brasileira Ă© fundamental para que Torto arado ou Marrom e amarelo nĂŁo sejam lidos no futuro como meras curiosidades de uma moda que já passou, o que talvez seja inevitável, os leitores devem crescer e se multiplicar e assim por diante, para que este momento perdure. É claro que o momento tambĂ©m exige outras discussões a partir desse fenĂ´meno, como a contaminação causada pelo politicamente correto na leitura, mas por ora fiquemos com isso: Ă© um momento rico, que vem inventando muitos leitores.
Carola: Concordo totalmente, mas eu nĂŁo leio a frase do Piglia como um olhar que separa o escritor do seu tempo, ele Ă©, claro, sempre fruto do zeitgeist (e de um ambiente cultural, como vocĂŞ disse). Piglia se refere a Joyce e principalmente a questões estĂ©ticas e experimentais da linguagem. Mas, me parece, há muitas formas de “inventar leitores”. Um livro como Torto arado, que vocĂŞ citou, ou Um defeito de cor, da Ana Maria Gonçalves, sĂŁo livros que “inventam leitores”, no sentido de narrar o que ainda nĂŁo havia sido narrado na chamada “alta literatura” e chegar a leitores que atĂ© entĂŁo nĂŁo se identificavam com a literatura que vinha sendo feita, ou chegar a leitores que sim, se identificavam, mas que de repente se vĂŞem diante de algo “novo”, e atĂ© leitores que nem sequer eram leitores da literatura brasileira contemporânea. Mas há muitas outras possibilidades, retomando o tema da diáspora africana e indĂgena, entre elas a possibilidade de trazer essas lĂnguas e consequentemente as diversas cosmovisões para a linguagem e estrutura narrativa, reinterpretando questões antigas como estĂ©tica e cânone. Isso, me parece, pode ser uma forma interessantĂssima de inventar leitores.
Joca Terron: É verdade. Por ora, entretanto, predomina nesses livros uma apropriação de tradições canĂ´nicas ocidentais como a realista, por exemplo, e para por aĂ. SĂŁo antropĂłfagos recatados, que comem com talheres. Contudo, e se começassem a surgir ficções cientĂficas afrofuturistas, gĂłticos indĂgenas, policiais txucarramĂŁe e kaingang? (Acabo de descobrir que txucarramĂŁe significa “guerreiros sem armas” — nĂŁo Ă© bonito? PodĂamos adotar como epĂteto, a escritora e o escritor sĂŁo guerreiros sem armas.)
5.
Carola: André Breton, no segundo Manifesto surrealista, diz:
Todo nos induce a creer que existe un punto del espĂritu donde la vida y la muerte, lo real y lo imaginario, lo pasado y lo futuro, lo comunicable y lo incomunicable, lo alto y lo bajo, dejan de ser percibidos como contradictorios. SerĂa vano buscar en la actividad surrealista otro mĂłvil que la esperanza de determinar ese punto.
Parece-me que essa Ă© uma busca que aparece sempre na sua literatura (para muito alĂ©m de um surrealismo), e cito um trecho do seu livro mais recente, o lindo e angustiante O riso dos ratos. “No exterior, cegados pela luz do dia, intuĂram que aquele mundo já nĂŁo era o de antes e muito menos o seguinte: giravam no torvelinho do presente como dois ratos na enxurrada.”
Joca Terron: Obrigado por tudo, Carola. Num livro anterior meu, Noite dentro da noite, há toda uma discussĂŁo a respeito desse ponto limĂtrofe (e de novo vem Ă lembrança o aforismo de Kafka citado lá atrás), principalmente a partir da ideia de se escrever como se estivesse morto. O princĂpio me surgiu, ao menos inicialmente, apĂłs assistir OrphĂ©e, de Jean Cocteau, que recria o mito de Orfeu, filme que me obceca, e no qual o poeta reescreve a partir de gravações emitidas pelo Inframundo. “O dever do sonhador Ă© aceitar seus sonhos”. Isso dialoga com aquela ideia difundida por William S. Burroughs de que a consciĂŞncia humana Ă© uma gravação em loop que se repete ad infinitum, o que me levou a considerar a morte como um terreno geográfico a se especular. Borges diz que o melhor procedimento Ă© considerar que os livros que queremos escrever já existem, e propor um resumo deles. Pois minha proposta, e sei que as gravações como mĂ©todo de diálogo entre a vida e a morte, entre o real e o imaginário, lhe interessam, já que as utilizou em Paisagem com dromedário, seu livro de 2010, Ă© nos afastarmos da vida e escrevermos como se já estivĂ©ssemos mortos, como se observássemos os vivos a partir de um outro terreno. Creio que a escrita Ă© um lugar que deve ser preservado, e ao preservá-la, guardamos nosso direito a continuar a escrever, a despeito do alcance quase nulo que a atividade tem, e como pode ser difĂcil manter aceso o desejo de escrever, diante das exigĂŞncias do cotidiano, da sobrevivĂŞncia. Ă€s vezes vocĂŞ nĂŁo se sente exausta?
Carola: Que bonito e interessante o que você disse. Começo respondendo à sua pergunta: sim, me sinto exausta sempre, todos os dias. Sim, tudo já foi escrito no sentido em que tudo já aconteceu (Borges tinha razão). Sim, o alcance é quase nulo. E um dia (não parece mais tão longe assim), nada disto existirá, nem nós, nossas palavras, nem o idioma em que escrevemos, e nem mesmo a gravação, ela também se perderá. Mas mesmo assim escrever é melhor do que não escrever. Suspeito que o desejo da escrita só existe no presente, jamais no futuro.
Joca Terron: E às vezes existe no passado. Não sei você, mas tenho livros inconclusos que me observam de algum ponto do passado à espera de conclusão, de não jazerem natimortos em alguma gaveta esquecida. Também está no passado a outra versão de mim que um dia se decidiu a escrever para tornar sua vida menos sem sentido, e só posso agradecer àquele jovem.
6.
Carola: E termino com Nicanor Parra:
No creo en la vĂa pacĂfica
no creo en la vĂa violenta
me gustarĂa creer
en algo pero no creo
creer es creer en Dios
lo Ăşnico que yo hago
es encogerme de hombros
perdĂłnenme la franqueza
no creo ni en la VĂa Láctea