Autor de uma obra já consolidada, o paulistano Carlos Eduardo de Magalhães chega ao seu 13º livro, o romance Zisa Bela. O livro entrelaça as vozes de dois homens unidos por uma mulher e separados pelo tempo, pela culpa e por diferentes modos de sobreviver. Paulo, ex-delegado da Polícia Federal afastado após combater o banditismo na Amazônia, reencontra Jorge, piloto cooptado pelo crime, que decide confessar seus pecados. O encontro entre ambos revela o retrato de um Brasil em crise — emocional, moral e social — e as marcas da pandemia de covid-19.
Em sua escrita contida, mas carregada de tensão simbólica, Magalhães investiga o que resta do humano diante da ruína. O rinoceronte — real e de brinquedo — e a bicicleta, símbolos recorrentes da narrativa, funcionam como metáforas da liberdade e da persistência.
Editor e escritor, Magalhães ressalta neste Inquérito que evita o compadrio do meio literário e prefere a solidão do ofício. Para ele, “a ansiedade é um inimigo poderoso”, e a literatura, sem obrigações, é uma inquietação do espírito. Longe de buscar certezas, escreve movido pela dúvida — e pelo prazer de enfrentar os desafios que a história impõe.
Em Zisa Bela, como em seus romances anteriores (Os jacarés, Pitanga, Das coisas definitivas), o autor reafirma o gosto pela narrativa que mergulha no interior das personagens e nas ambiguidades do país. Um romance sobre o amor e a devastação, sobre o que sobrevive quando tudo parece ter sido perdido.
• Quando se deu conta de que queria ser escritor?
Me recordo de três momentos. Criança, ouvindo Chico Buarque e as histórias de livros e filmes que meus pais contavam. No ginásio, com meus 13, 14 anos, como leitor, fascinado pelas possibilidades da palavra escrita, já que falar nunca foi meu forte. E depois de formado, quando passei um ano fora do Brasil. Voltei com os primeiros contos escritos e com a decisão que minha vida adulta seria pautada pela literatura. Crescer em uma casa onde havia muitos livros e se apreciava literatura seguramente contribuiu para minha escolha.
• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Não creio ter manias nem obsessões literárias.
• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Não tenho. Pelo contrário, quando um autor me impressiona muito, procuro outro autor diametralmente oposto, como se fosse uma vacina. De sexo, país, idade, épocas diferentes.
• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Lula, qual seria?
Vixe, quem sou eu pra recomendar um livro para o presidente Lula.
• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Gosto de escrever num ambiente silencioso, sem ninguém por perto, mas já escrevi no braço do sofá da sala, com o pé num balde de gelo, por conta do rompimento de ligamentos do tornozelo no futebol, com gente passando a toda hora, já escrevi com minhas filhas pequenas brincando atrás da cadeira. Talvez o quando, para mim, seja tão importante quanto o onde. Às vezes a concentração me foge e não adianta persegui-la que não a alcanço. Participei de algumas residências literárias no exterior, eram condições ideais para escrever. Longe de casa, silêncio, sem os compromissos do dia a dia, a renovação do olhar de estranhamento, o desconforto de estar em outro país, o prolongado e ininterrupto estado de transe. Foram experiências em que fui bastante produtivo.
• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Em lugares silenciosos, deitado na rede ou no sofá. Ideal mesmo é ler perto do mar.
• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Uma página bem terminada pra mim é um dia produtivo.
• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Quando consigo entrar numa espécie de transe, em tudo que existe é o que estou escrevendo naquela hora. Em que estou totalmente imerso no ambiente ficcional e na construção de cada frase.
• Qual o maior inimigo de um escritor?
Acredito que o escritor não tenha muitos amigos… Pra mim, a ansiedade é um inimigo poderoso.
• O que mais lhe incomoda no meio literário?
Não frequento o meio literário. Tenho alguns poucos amigos que conheci por meio da literatura, pessoas de que gosto e respeito. O compadrio não faz bem à arte em geral.
• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Tem tanta gente. Gosto muito das autoras e autores brasileiros que publico pela Grua que, como editora pequena, muitas vezes não consegue entregar a visibilidade que elas e eles merecem. Contratei livros que me entusiasmaram na leitura e na edição, que alargaram minhas próprias possibilidades literárias.
• Um livro imprescindível e um descartável.
Livros que eventualmente sejam escritos por inteligência artificial são descartáveis. Livros escritos com fórmulas comerciais são descartáveis. Neste caso, não vejo problema, são feitos para serem consumidos rapidamente e descartados, acho que a ideia seja essa mesma. Não existe livro imprescindível. Mas qualquer livro bom é uma janela de descobertas, para dentro e para fora, de novas formas de se ver e de ver o mundo.
• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
A panfletagem, mesmo quando resultado de um impulso genuíno e bem intencionado, é capaz de destruir no médio prazo um livro que poderia ser bom.
• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Nunca pensei sobre isso, acredito que um escritor deve se interessar por tudo. Não tenho vontade de escrever sobre escritores reais.
• Qual foi o lugar mais inusitado de onde tirou inspiração?
Tenho um problema com a palavra inspiração, pra falar a verdade não sei bem o que é isso.
• Quando a inspiração não vem…
Pra mim, jamais vem. Tenho ideias, às vezes elas vingam, às vezes desvanecem. Em regra, escrevo sobre ideias que há muitos anos vêm decantando no meu pensamento.
• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Eu não tomo café… E prefiro a obra ao escritor.
• O que é um bom leitor?
Um leitor que viva o livro. Um leitor que leia vidrado. Um leitor que brigue com o livro, que não aceita o que lhe é dado. Um leitor que carregue consigo o livro por muito tempo depois de tê-lo lido.
• O que te dá medo?
No plano concreto, hoje, essas escolas cívico-militares que estão se espalhando pelo Brasil. Acho um perigo para a juventude e para as pessoas de espírito livre. São um enorme retrocesso.
• O que te faz feliz?
Um almoço no fim de semana em casa com minha gente, em especial minha mulher e minhas filhas.
• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
Certeza, nenhuma, dúvida, todas.
• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Ir encontrando as soluções para os desafios que a história e a escrita me impõem. Maior preocupação, mas o maior prazer também.
• A literatura tem alguma obrigação?
Não, literatura é arte, inquietações do espírito humano materializados por meio da palavra, assim me parece. Se vai encontrar reflexo em alguém, ou ter valor de mercado, é outra coisa.
• Qual o limite da ficção?
A apologia ao mal.
• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Pode ser comigo mesmo. Precisa preencher essa declaração em três vias, assinar e reconhecer a firma no cartório. Precisa trazer um atestado de vida de ET, também com firma reconhecida. Caso opte por escrever na linguagem de ET, uma tradução juramentada se faz necessária. Abrir-se-á um edital entre os ETs que querem a audiência. Se for aprovado, a audiência será marcada com o (a) líder do momento. Pode demorar um pouco. Próximo.
• O que você espera da eternidade?
Nada.