Noemi Jaffe nasceu em São Paulo (SP), em 1962. Desde cedo inventava línguas, sotaques e desenhos, daí foram surgindo anotações, redações escolares e tudo foi se encaminhando para o mundo literário. Foi só aos 43 anos, porém, que publicou seu primeiro livro de poesia. Doutorou-se em literatura brasileira pela USP. Atualmente, é professora da PUC-SP e faz crítica literária para a Folha de S. Paulo. É autora dos livros Todas as coisas pequenas, Quando nada está acontece e A verdadeira história do alfabeto, livro de contos que lhe rendeu o Prêmio Brasília de Literatura de 2014. É também organizadora da antologia de poemas de Arnaldo Antunes e mantém o blog nadaestaacontecendo.blogspot.com.br.
• Quando se deu conta de que queria ser escritora?
Não tenho certeza, mas foi um processo que teve início bem cedo. Sempre adorei ler de tudo e imaginava as histórias que eu mesma poderia escrever. Inventava línguas, sotaques, desenhos. Aos poucos, fui transformando isso em anotações, redações escolares e o projeto foi tomando corpo. Mas só fui publicar meu primeiro livro de poesia aos 43 anos.
• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Tenho muito poucas. Nada de muito original. Escrevo em qualquer lugar, de qualquer jeito, em qualquer hora. Mas prefiro a manhã e lugares novos a cada vez. Só que sem fixação por nada.
• Que leitura é imprescindível no seu dia-a-dia?
Adoro ler jornais. Além disso, estou sempre fuçando coisas na internet e tenho obsessão por ouvir conversas alheias, no ônibus, na rua, para usá-las em exercícios e nos meus próprios textos, como fiz no meu livro recente comum de dois.
• Se pudesse recomendar um livro à presidente Dilma, qual seria?
A introdução do livro José e seus irmãos, de Thomas Mann, em que ele fala sobre a relatividade do tempo. Essa introdução ajuda, de forma concreta, a fazer sentir na pele o que significa a passagem do tempo e como somos insignificantes.
• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Gosto da manhã, de silêncio e de lugares desconhecidos. Outra cidade, outra casa, outra biblioteca. Mas não faço questão de nada disso. A circunstância ideal para escrever, sem demagogia, é sentar e escrever, sem esperar pela circunstância ideal.
• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Gosto do silêncio, para poder me concentrar. Mas consigo ler muito bem no ônibus e em lugares de espera. Me concentro bastante fora do meu ambiente.
• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Um dia em que fiz leituras criativas, de teoria e/ou de ficção. Não necessariamente um dia em que consegui escrever. Prefiro, de longe, ler. Gosto muito também de revisar. Revisar o que escrevi e encontrar várias soluções para falhas.
• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Encontrar formas de solucionar problemas: na frase, no enredo, na construção da personagem, no diálogo. Estar diante de algo que eu considero ruim e ficar lá, matutando, quase desistindo, quando surge uma saída. É muito gostoso.
• Qual o maior inimigo de um escritor?
Achar que existe perfeição e, talvez, a própria existência dessa perfeição, sob a forma dos grandes escritores.
• O que mais lhe incomoda no meio literário?
Vaidade, vaidade, vaidade e ficar reclamando de ter sido injustiçado.
• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Adorei um poeta, que conheci muito recentemente, infelizmente já falecido, chamado Alberto da Cunha Melo. Outra poeta incrível, que o país vai descobrir, é a Sarah Rebecca Kerskey, uma inglesa mais baiana que muitos baianos, e que atualmente mora em Salvador.
• Um livro imprescindível e um descartável.
Imprescindível: Dicionário analógico. Descartável: Livros de autoajuda, incluindo aí Paulo Coelho.
• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Muita afetação. Quando o estilo supera tudo, daí acho irremediável. Devemos fazer como Lina Bo Bardi falou sobre o Masp: fazer uma coisa feia. Prefiro o feio ao belo. Literatura muito bela é horrível!
• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Todos podem entrar. Sem discriminação. Desde palito de dentes até a guerra.
• Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
Ah, numa viagem de ônibus, em pé, espremida, às 6 da tarde.
• Quando a inspiração não vem…
Dicionário analógico na cabeça.
• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Primo Levi.
• O que é um bom leitor?
Quem aceita ler várias vezes o mesmo texto e aquele que não desiste.
• O que te dá medo?
Na vida, que meus filhos sofram. Na literatura, tenho medo de escritores que mandam no mercado.
• O que te faz feliz?
Na vida e na literatura, o que me faz feliz é ter amigos.
• Qual dúvida ou certeza guia seu trabalho?
Sem frase de efeito, “a certeza da dúvida”. Quase nunca tenho certezas e não acredito nelas.
• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Precisão, originalidade, densidade e risco.
• A literatura tem alguma obrigação?
Em princípio, a literatura é livre. Essa é sua obrigação, entretanto.
• Qual o limite da ficção?
Quase jogar-se no fundo do abismo, mas não se suicidar.
• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
O meu líder, meu modelo de literatura inatingível, é Rumo ao farol, de Virginia Woolf. Eu o levaria para aquelas frases. Elas são o meu líder.
• O que você espera da eternidade?
Espero virar vegetal. Não quero virar mineral nem animal. Quero virar planta.