Sem parar jamais

Mariana Salomão Carrara: "Creio que minhas obsessões, até agora, são meus temas: maternidade, luto, solidão, amizade entre mulheres"
Mariana Salomão Carrara, autora de “Não fossem as sílabas do sábado”. Foto Renato Parada
01/04/2024

Elvira Vigna, Lobo Antunes, audiolivros, aulas de spinning, o teatro e o cinema como inspiração. Nesta edição do Inquérito, a paulistana Mariana Salomão Carrara revela um pouco de seu cotidiano, na literatura e fora dela.

Mariana começou a chamar a atenção da crítica com seu segundo livro, Se deus me chamar não vou, finalista do Prêmio Jabuti em 2020.

Mas foi com Não fossem as sílabas do sábado que ela deu um passo além na carreira, vencendo o Prêmio São Paulo de Literatura em 2023 na categoria Melhor Romance do Ano, superando autores consagrados como Cristovão Tezza e João Almino.

O livro causa impacto logo no início, com uma cena impactante de suicídio seguido por uma morte acidental. Esse então é o start para uma narrativa bem engendrada, delicada e forte, que discute temas como luto, solidão e amizade.

“Desde que me alfabetizei, surgiu o encanto por criar as frases de uma forma que compusessem um pequeno enredo”, diz a autora.

Mariana não é escritora em tempo integral. Ela atua como defensora pública em São Paulo. Rotina que não lhe possibilita muitas horas para ler, por exemplo. “Por isso acabei me apegando aos audiolivros.”

Ainda assim, tem se mostrado uma escritora prolífica. Depois do sucesso de seu livro mais recente, ela lança ainda em 2024 o romance A árvore mais sozinha do mundo. E avisa: “Não importa o que aconteça, nunca vou parar”.

• Quando se deu conta de que queria ser escritora?
Desde que me alfabetizei, surgiu o encanto por criar as frases de uma forma que compusessem um pequeno enredo. Era uma forma de me divertir por escrito, um formato que trazia outra camada de prazer à criatividade das brincadeiras. Aos treze anos, escrevi um primeiro romance, longo e trágico, em que a narradora perdia os dois filhos adolescentes, na mesma noite, um em cada canto da cidade. A partir daí comecei a acreditar que seria escritora assim que conseguisse publicar o que escrevia. Depois percebi que mesmo isso não seria suficiente, acho que eu precisava de leitores, como se uma ponta do texto não existisse sem a outra.

• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Creio que minhas obsessões, até agora, são meus temas: maternidade, luto, solidão, amizade entre mulheres.

• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Infelizmente, por conta do meu trabalho como defensora pública, não sobra muito tempo para leitura no dia a dia, somente mesmo poucas páginas de um livro até adormecer. Por isso acabei me apegando aos audiolivros, sempre procuro a plataforma que no momento tenha bons livros que ainda não ouvi, e assim “leio” no carro, no transporte, na cozinha e na academia.

• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Lula, qual seria?
Bom dia, camaradas, do Ondjaki.

• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Tempo e, sobretudo, a sensação de que há tempo. Estou de férias e sem compromissos, posso ler, ouvir música, entrar e sair do computador diversas vezes. Melhor ainda se puder ver o mar.

• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
As mesmas da escrita, mas com algum lugar confortável para deitar, e com a luz amarela bem localizada.

• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Dez páginas, se eu tive duas ou três horas livres só para escrever.

• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Descobrir o que escrevi, no instante seguinte.

• Qual o maior inimigo de um escritor?
A falta de tempo. Possivelmente o excesso de tempo também, mas isso já não saberia dizer.

• O que mais lhe incomoda no meio literário?
O tropeço em diversos temas e questões que podem até ser muito mais relevantes, mas que, se estamos falando de literatura, neste preciso contexto, a prioridade deveria ser a arte.

• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Júlia Grilo, Jessica Cardin, Leonardo Piana, Maria Fernanda Elias Maglio, são tantos!

• Um livro imprescindível e um descartável.
O evangelho segundo Jesus Cristo, do Saramago. Não tenho coragem de falar um descartável, então vou dizer outro imprescindível, O som e a fúria, do Faulkner.

• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
O perigo é instrumentalizar a obra, construí-la a serviço de algo (de novo, ainda que muito maior), esquecendo o sentido basilar da ficção que é ser literatura e, como literatura, então tocar onde se quer tocar.

• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Não tenho um interdito, mas acho difícil que eu me interesse em abordar tecnologia e futurismos.

• Qual foi o lugar mais inusitado de onde tirou inspiração?
Aula de spinning.

• Quando a inspiração não vem…
Leio poesia, se possível vou ao teatro ou ao cinema. Se necessário, escrevo cartas de um personagem para o outro.

• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Elvira Vigna.

• O que é um bom leitor?
O bom leitor para de ler quando não está no clima adequado para aquele livro. “Não é você, sou eu.”

• O que te dá medo?
Na literatura, decepcionar. Na vida, a morte e suas derivações.

• O que te faz feliz?
Sou muito feliz, principalmente por causa das pessoas que conheço e amo. Fico radiante quando tenho tempo.

• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
A certeza de que, não importa o que aconteça, nunca vou parar.

• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Evitar que eu seja vã ou injusta com nenhum personagem.

• A literatura tem alguma obrigação?
Aquela que, às vezes, temos esquecido: ser precipuamente literatura, o resto vem junto.

• Qual o limite da ficção?
Não consigo visualizar um limite válido neste momento.

• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
António Lobo Antunes.

• O que você espera da eternidade?
Que se renove e se reinvente após a destruição que já encomendamos.

Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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