Carlos Alberto Libânio Christo, mais conhecido como Frei Betto, nasceu em Belo Horizonte (MG) em 1944. Dono de longa trajetória como militante de movimentos sociais, o escritor e frade dominicano publicou mais de 50 livros e venceu o Jabuti em duas ocasiões: em 1982, com seu livro de memórias Batismo de sangue, no qual lembra os dias de cárcere durante o regime militar; e em 2005, por Típicos tipos, coleção de perfis literários. Na ficção, destaque para Hotel Brasil: o mistério das cabeças degoladas (1999), seu primeiro romance policial; Aquário negro (2009), reunião de quatro contos inéditos e outros oito publicados originalmente em 1979; e Minas do ouro (2011), que percorre cinco séculos de história mineira através da saga da família Arienim. A realidade urbana nua e crua foi tema de obras infanto-juvenis como Alucinado som de tuba (1991), protagonizado por um jovem abandonado nas ruas de São Paulo, e O vencedor (1995), no qual um pai luta contra o crime organizado para salvar seu filho das drogas. Nesta breve conversa, Frei Betto fala de fé, manias literárias e confessa o medo de não poder escrever.
• Quando se deu conta de que queria ser escritor?
Como escrevo em Alfabetto – autobiografia escolar, quando minha professora, Dercy Passos, recomendou a meus colegas do 2º ano do primário (ensino fundamental) que não pedissem aos pais para escreverem as “composições” (que belo nome para redações!) por eles, mas “façam como o Carlos Alberto, ele mesmo escreve as dele”. Eu tinha oito anos. No 1º ano do ginásio (fundamental dois), aos meus 11 anos, o professor de Português, irmão marista José Henriques, me disse: “Você só não será escritor se não quiser”.
• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Jamais dizer o que escrevo enquanto não terminar o livro; acordar muito cedo para escrever; redigir a primeira versão a mão; ler clássicos para “aquecer” o trabalho.
• Que leitura é imprescindível no seu dia-a-dia?
Jornais e algum texto de espiritualidade. Trago sempre um livro, romance ou ensaio, ainda que tenha certeza de que não terei tempo de abri-lo.
• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Isolamento total, telefone desligado, derramar os olhos na sinuosidade das montanhas.
• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Silêncio, mas consigo ler no aeroporto, na fila do banco ou do supermercado, no engarrafamento. Só não consigo com a TV ligada.
• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Quando as musas me enlouquecem a imaginação e o texto avança prazerosamente.
• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Revisar o texto; imprimir-lhe sabor estético; cortar, ajustar e infundir-lhe ritmo.
• Qual o maior inimigo de um escritor?
A presunção e a preguiça. É muito bom não competir com nenhum outro escritor e saber que escrevo de um modo que é só meu — descobrir o próprio sotaque literário. Não invejo os escritores de mesa de bar, sempre a comentar obras que só existem como intenção, não como produção.
• O que mais o incomoda no meio literário?
O salto alto. A ponto de alguns se julgarem imortais…
• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Maria Valéria Rezende, autora de O vôo da guará vermelha e Modo de apanhar pássaro à mão.
• Um livro imprescindível e um descartável.
Imprescindíveis são o Eclesiastes e os dicionários analógicos. Descartáveis são O protocolo dos sábios de Sião e todos os manuais de interrogatório das polícias que fazem apologia da tortura.
• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
No romance, a falta de sabor estético. Um romance não tem que ser de esquerda ou direita, nem transmitir necessariamente mensagem. Tem que ser belo.
• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Auto-ajuda.
• Qual foi o lugar mais inusitado de onde tirou inspiração?
Dentro da mina de Morro Velho, em Nova Lima. Me bateu logo: um dia escrevo sobre isso aqui. Treze anos depois, terminei o romance Minas do ouro, saga sobre cinco séculos da história de Minas Gerais.
• Quando a inspiração não vem…
Há que recorrer à transpiração.
• O que é um bom leitor?
O que mergulha dentro do livro e se soma aos personagens.
• O que te dá medo?
Não poder escrever.
• O que te faz feliz?
Orar, meditar e escrever.
• Qual dúvida ou certeza guia seu trabalho?
A certeza de que vivo como quem chupa manga deixando o sumo escorrer pelo corpo.
• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Evitar os lugares-comuns.
• A literatura tem alguma obrigação?
Sim, seduzir o leitor por sua estética.
• Qual o limite da ficção?
A existência do autor.
• O que lhe dá forças para escrever?
A experiência de me deixar feliz.
• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Daria a ele o meu romance Um homem chamado Jesus.
• O que você espera da eternidade?
Espero que seja muito melhor do que orar e escrever e, sobretudo, divertida.