Obsessão pela palavra

Maria Fernanda Elias Maglio: "Tenho obsessão pela palavra. A sonoridade, o significado, os sinônimos. Gosto das palavras estranhas, das inventadas, dos regionalismos, das gírias."
Maria Fernanda Elias Maglio, autora de “Você me espera para morrer?”
01/12/2023

Logo em seu livro de estreia, a paulista Maria Fernanda Elias Maglio venceu o prêmio Jabuti. Uma recepção sonhada por muitos autores que chegam à cena literária. Enfim, imperatriz, lançado em 2017 pela Patuá, traz 17 contos protagonizados por mulheres. A prosa poética predomina nas narrativas, ainda que algumas delas tragam enredos “pesados”.

Em 2019, ela se lançou como poeta com 179. Resistência, livro vencedor do Prêmio Biblioteca Nacional de 2020. Essa chegada contundente ao mercado editorial foi “tardia”, como a autora explica nesta edição do Inquérito. “Só fui começar a escrever aos 33 anos, quando já era defensora pública e mãe de duas crianças.”

A verve poética vem do seu gosto por “palavras estranhas, inventadas, regionalismos, gírias”. “Tenho obsessão pela palavra na boca das pessoas, as conversas comuns”, diz. “Gosto de ficar escutando o que as pessoas falam, mas sobretudo como falam.”

De Cajuru, no interior de São Paulo, Maria Fernanda trabalha fazendo a defesa de pessoas pobres que estão cumprindo pena. É no intervalo de seu trabalho que consegue escrever uma história ou revisar um conto.

Admiradora de Guimarães Rosa, ela acredita mais na força do trabalho do que em uma hipotética “inspiração” na hora de criar. “Acho a inspiração um engodo… Escrever inspirado faz com que o escritor pense que está escrevendo um bom texto, o que nem sempre é verdade.”

Seu livro mais recente é o romance Você me espera para morrer?, publicado pela Patuá.

• Quando se deu conta de que queria ser escritora?
Assim como quase todo escritor, tive uma professora de português extraordinária na minha trajetória, a Cidinha Nasser. Eu tinha 13 anos e ela dizia que eu iria ser escritora. Não levei a ideia a sério, mas ainda assim ela deve ter ficado impregnada em mim. Segui sendo uma leitora de literatura vida afora, mas só fui começar a escrever aos 33 anos, quando já era defensora pública e mãe de duas crianças.

• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Tenho obsessão pela palavra. A sonoridade, o significado, os sinônimos. Gosto das palavras estranhas, das inventadas, dos regionalismos, das gírias. Tenho obsessão pela palavra na boca das pessoas, as conversas comuns. Gosto de ficar escutando o que as pessoas falam, mas sobretudo como falam.

• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Prefiro ler a escrever. Mesmo assim, leio menos do que eu gostaria, mas estou sempre lendo. Leitura imprescindível é ficção.

• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Lula, qual seria?
Germinal, do Zola. Para que ele nunca se esqueça de governar para quem realmente precisa.

• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Eu me acostumei a escrever em qualquer circunstância. Escrevo com barulho, com interrupções, esperando meu filho no judô, esperando minha filha no dentista. Mas gosto mesmo é de escrever de manhã bem cedo. Antes da casa acordar, saindo direto da cama para o computador, embrenhada na atmosfera de sono e sonho.

• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Comendo chocolate, de férias, um livro que eu não consiga parar de ler, de preferência longo, para demorar para acabar.

• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Sou defensora pública, então a escrita literária se dá nos intervalos. Se consigo escrever meia página de uma história ou revisar um conto ou um capítulo, já é um dia produtivo.

• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Quando a história começa a ser contada sozinha, como se não fosse você quem a estivesse escrevendo. Palavra narrando palavra, sem o intermédio do escritor. Quando essa mágica acontece é maravilhoso. Mas talvez o prazer ainda maior seja depois do texto pronto, ler em voz alta e pensar: é isso.

• Qual o maior inimigo de um escritor?
Acreditar que é especial, que é iluminado, um gênio. Pior ainda é o escritor que se sente um gênio injustiçado, incompreendido na sua genialidade.

• O que mais lhe incomoda no meio literário?
O meio literário.

• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Carla Kinzo.

• Um livro imprescindível e um descartável.
Imprescindível é a literatura que incomoda, que faz pensar, que intriga, desassossega. Descartável é a literatura edificante, a que carrega uma moral, que se preste a fazer o leitor se sentir melhor.

• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
O didatismo, a escrita partindo de um panfleto. A literatura tem que ser orgânica. O escritor deve confiar que os valores que lhe são caros entrarão naturalmente nas suas histórias, sem que precise se preocupar com isso.

• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Acho que nenhum. Escreveria sobre qualquer coisa.

• Qual foi o lugar mais inusitado de onde tirou inspiração?
Uma barata em um presídio.

• Quando a inspiração não vem…
Escrevo sem inspiração. Acho a inspiração um engodo, tem muito mais a ver com autoestima do que com qualquer outra coisa. Escrever inspirado faz com que o escritor pense que está escrevendo um bom texto, o que nem sempre é verdade.

• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Com certeza Guimarães Rosa.

• O que é um bom leitor?
Aquele que lê exatamente o que está escrito. Se o personagem cria asas e voa, o bom leitor lê que o personagem criou asas e voou.

• O que te dá medo?
Tenho muito medo de enlouquecer. E enquanto tiver medo, acho que está tudo bem. Eu tenho um poema que diz: “O medo da loucura é o guarda-corpo que me separa da loucura”.

• O que te faz feliz?
Coisas muito simples: tomar uma cerveja com meu marido, estar com meus filhos, um café de manhã cedo, nadar no mar, ouvir música, brincar com minha cachorra, estar em Cajuru, minha cidade natal, com meus pais.

• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
Muitas dúvidas, poucas certezas.

• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Chegar até o fundo da história. Acredito que toda história tenha um fundo. E o escritor precisa saber cavar. Minha preocupação é tirar a terra até alcançar o cimento, o limite do buraco.

• A literatura tem alguma obrigação?
Nenhuma obrigação, nenhuma finalidade. A literatura não tem que servir para nada, apesar de servir para muita coisa. O sentido da literatura é a própria literatura, ela prescinde de qualquer sentido complementar.

• Qual o limite da ficção?
Não há limites. A ficção não aceita muros.

• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Minha psicanalista.

• O que você espera da eternidade?
Que seja breve.

Você me espera para morrer?

Maria Fernanda Elias Maglio
Patuá
184 págs.
Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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