O sentido da luta

Sofia Mariutti: “Não consigo fugir das rimas toantes e adoro jogos de palavra, onde a poesia e a matemática se encontram”
Sofia Mariutti, autora de “Abrir a boca da cobra”
01/10/2024

A criação está presente no dia a dia        da paulistana Sofia Mariutti, mesmo quando não está escrevendo poesia ou prosa. O trabalho como tradutora e editora faz com que esteja sempre imersa no universo literário. “A cada projeto autoral esse lugar de escritora tem que ser reconquistado, como numa luta mesmo”, diz.

Nascida em 1987, Mariutti estreou com o livro de poemas A orca no avião (Patuá, 2017). “Começaram a me chamar de poeta. E demorei pra me acostumar com isso.”

Seu livro mais recente é Abrir a boca da cobra, lançado no final de 2023. É uma espécie de bestiário em que diversas feras estão guardadas dentro de uma casa. Dinossauros e escorpiões, mães e filhas, o presente e o passado, tudo é regido por uma mesma lei, a da metamorfose.

O livro nasceu de duas obsessões da autora: anotar sonhos e o universo animal. Entre o primeiro e o segundo livro de poemas, ela publicou o infantojuvenil Vamos desenhar palavras escritas? (Companhia das Letrinhas, 2023), em que dá novas formas e significados às palavras.

Neste ano lançou outro livro dedicado aos pequenos leitores: Tem um gato no frontispício (Baião), em que a ideia já veio acompanhada do esboço do texto.

A seguir, Sofia Mariutti fala um pouco mais sobre “bons leitores”, a autora infantojuvenil Eva Furnari e a literatura da alemã Unica Zürn e da brasileira Marília Garcia.

• Quando se deu conta de que queria ser escritora?
Talvez ainda esteja no meio desse processo, me dando conta. Comecei a tirar prazer da escrita no primeiro colegial, escrevendo palíndromos. Quando lancei meu primeiro livro, A orca no avião, começaram a me chamar de poeta. E demorei pra me acostumar com isso — então é só lançar um livro de poemas que a gente vira poeta? E agora, como sustento essa alcunha? Como também faço outras coisas, traduzo, edito, a cada projeto autoral esse lugar de escritora tem que ser reconquistado, como numa luta mesmo. E a cada dia essa luta faz mais sentido.

• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Desde os 14 anos, anoto meus sonhos quando acordo. Ando obcecada com bichos. Desse encontro entre sonhos e bichos nasceu Abrir a boca da cobra, meu último livro de poesia. Não consigo fugir das rimas toantes e adoro jogos de palavra, onde a poesia e a matemática se encontram.

• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
A leitura de livros ilustrados com minhas filhas, na cama delas.

• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Lula, qual seria?
Nostalgias canibais, do Odorico Leal, que passeia com humor pela história do Brasil, desde a colonização até os recentes embates políticos na avenida Paulista.

• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Quando a ideia do livro está clara. De manhã, ou às vésperas de uma entrega para uma oficina. Saindo do banho, quando vem uma ideia. À noite, quando o dia acabou e ninguém mais te interrompe.

• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
De noite, na cama, com um livro que não quero largar, só o abajur aceso, e aqueles post-its finos para marcar as páginas.

• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Um dia em que se escreveu um poema ou um verso já considero bem produtivo como poeta, entre os muitos outros trabalhos que faço. Se em um dia tenho a ideia e já esboço o texto de um livro ilustrado, como aconteceu com Tem um gato no frontispício, não quero mais nada.

• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Dialogar com o que veio antes e também com os meus pares, mostrar pra alguém em quem confio alguma coisa nova que escrevi, ouvir suas considerações.

• Qual o maior inimigo de um escritor?
O medo.

• O que mais lhe incomoda no meio literário?
A falta de profissionalismo.

• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Unica Zürn.

• Um livro imprescindível e um descartável.
Imprescindível é Câmera lenta, da Marília Garcia. Descartável é qualquer livro que desconsidere o leitor.

• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
O hermetismo.

• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Dinheiro.

• Qual foi o lugar mais inusitado de onde tirou inspiração?
Um rejunte de azulejo.

• Quando a inspiração não vem…
Ler.

• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Eva Furnari.

• O que é um bom leitor?
Um leitor que leia bem devagar, atento, e pense/ escreva sobre o que leu.

• O que te dá medo?
Aranha.

• O que te faz feliz?
A maternidade.

• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
Pontuar ou não pontuar um verso com ponto final, com vírgula? Caixa alta ou baixa? Pequenas questões formais que me atormentam.

• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
A simplicidade.

• A literatura tem alguma obrigação?
Não se fechar aos leitores.

• Qual o limite da ficção?
A ética.

• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Augusto de Campos.

• O que você espera da eternidade?
Descanso.

Abrir a boca da cobra
Sofia Mariutti
Círculo de Poemas
72 págs.
Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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