O apanhador de cotidianos

Luís Henrique Pellanda: "Sem romantismo, circunstância ideal para escrever é aquela que nos garante, ao fim do trabalho, algum pagamento pelo que escrevemos"
Luís Henrique Pellanda, autor de “Detetive à deriva”
27/09/2016

Luís Henrique Pellanda nasceu em Curitiba (PR), em 1973. Escritor e jornalista, é autor de O macaco ornamental (contos), Nós passaremos em branco (crônicas, finalista do Prêmio Jabuti 2012) e Asa de sereia (crônicas, finalista do Portugal Telecom 2014). Publica crônicas semanais no jornal Gazeta do Povo. Acaba de lançar novo livro — Detetive à deriva. Nestes textos, como indica o título, o cronista se transforma numa espécie de detetive a flanar pelas ruas de Curitiba (cenário de praticamente todas as crônicas de Pellanda) em busca do inusitado, das estranhezas que habitam o cotidiano de uma grande cidade, como uma família de urubus nas alturas de um prédio, um solitário bebê chinês na calçada e um estranho rastro de pétalas.

• Quando se deu conta de que queria ser escritor?
Ao compreender, durante a alfabetização, que também se compunham e registravam histórias por escrito.

• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Não sou maníaco nem obsessivo. Leio e escrevo conforme as possibilidades e necessidades do dia.

• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
A do livro que, naquele momento, estiver no topo da pilha.

• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Michel Temer, qual seria?
Recomendaria ao interino que relesse o próprio livro, atrás de alguma poesia. Não encontrando, recomendaria que procurasse de novo, e de novo, e de novo, o que o manteria ocupado até a morte.

• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Sem romantismo, circunstância ideal para escrever é aquela que nos garante, ao fim do trabalho, algum pagamento pelo que escrevemos.

• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
A vida é a melhor circunstância. A leitura tem que ser parte dela, como qualquer outra coisa.

• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Aquele em que, ao me deitar na cama, sinto que posso dormir.

• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Saber que há leitores lá fora.

• Qual o maior inimigo de um escritor?
Acho que há vários, mas podemos improvisar um pódio. Bronze para a fé cega nas próprias convicções; prata para a egolatria autocomiserativa; e ouro para a mentalidade enfadonha.

• O que mais lhe incomoda no meio literário?
O culto ao inimigo. A ideia orgulhosa de que vivemos no mais pernicioso dos meios. A fantasia de que produzimos venenos mortais.

• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Os autores já têm atenção o suficiente. Deve-se prestar mais atenção no leitor. Ou na ausência dele.

• Um livro imprescindível e um descartável.
Não acredito que haja critérios objetivos para se julgar um livro e classificá-lo como imprescindível ou descartável. Dito isso, reconheço que os classifico como bons ou ruins, e que isso não os torna mais ou menos recomendáveis para os demais leitores. Os bons, leio ou procuro ler até o fim. Os ruins, abandono sem dó, mas sem maldade, ou prefiro nem começar.

• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
A confusão que às vezes se faz entre ironia e inteligência.

• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Quem escreve crônica não deve recusar assuntos.

• Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
Às vezes encontro na rua um despacho desfeito, um par de botas abandonado, filipetas anunciando prostitutas, um rastro de pétalas de rosas, um carrinho de bebê vazio, um tomateiro num canto de praça, o cadáver de um beija-flor sem cabeça. Tudo serve de matéria-prima para o cronista.

• Quando a inspiração não vem…
Não diria a inspiração, mas uma primeira ideia. Quando ela não vem vou à janela, desço à rua, caminho no Passeio Público, coleto trechos de conversa.

• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Sendo uma boa companhia à mesa, qualquer um, não precisando nem ser um grande escritor.

• O que é um bom leitor?
O que é capaz de enriquecer um texto com sua leitura, e que naturalmente divide essa riqueza com quem o cerca.

• O que te dá medo?
Se estamos falando especificamente de literatura, não sinto medo de nada. Fora da literatura, a história é outra.

• O que te faz feliz?
Alguma serenidade, de forma geral. Em se tratando de literatura, porém, me alegra constatar que faço hoje o que desejei fazer quando criança, e que consigo viver do que escrevo.

• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
A desconfiança de que, ao escrever, ofereço o melhor de mim ao mundo. E a certeza de que o mundo não precisa de mim — nem de minhas dúvidas, nem de minhas certezas.

• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Produzir algum sentido a partir do acaso. O que não é o mesmo que botar ordem no caos. Acho até que é o oposto disso.

• A literatura tem alguma obrigação?
Como leitor, não acho que escritor algum tenha a obrigação de escrever para mim. Como escritor, penso que tenho a obrigação de escrever para todos.

• Qual o limite da ficção?
Acredito que a ficção não deva se sobrepor à ética.

• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
A ninguém.

• O que você espera da eternidade?
Que ela nos faça a fineza de não existir.

Detetive à deriva
Luís Henrique Pellanda
Arquipélago
224 págs.
Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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