Humberto Werneck nasceu em Belo Horizonte (MG), em 1945. Cresceu numa casa cheia de livros. Não que seus pais fossem especialistas em literatura, mas achavam que deviam prover boa leitura aos filhos. Aos 12 anos, ganhou uma coleção de 31 volumes encadernados do Machado de Assis. Costumava ir à Biblioteca Pública na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, e ficava por ali, lendo. Descobriu um livro que foi fundamental em sua formação: O encontro marcado, de Fernando Sabino. Começou a exercer o jornalismo em maio de 1968, no Suplemento Literário de Minas Gerais, sob o comando do contista Murilo Rubião. Mudou-se para São Paulo (SP) em 1970, onde vive até hoje. Passou a trabalhar no Jornal da Tarde, do qual foi correspondente em Paris, além de ter passado pelo Jornal da República, Jornal do Brasil e, entre outras, nas revistas Veja, IstoÉ, Elle e Playboy. No início de seu ofício, Murilo Rubião sugeriu uma compilação de seus contos; ainda se sentindo despreparado, não aceitou. Hoje, seu trabalho como escritor e organizador de livros é intenso. Com a publicação de O santo sujo — A vida de Jayme Ovalle, em 2008, ganhou o prêmio APCA como melhor biografia do ano. Também é autor de O pai dos burros — Dicionário de lugares-comuns e frases feitas, livro que, inclusive, entregaria com gosto à leitura da presidente Dilma, dos três poderes da República e da patuleia. Pequenos fantasmas é seu livro de contos e Esse inferno vai acabar, de crônicas. É cronista do jornal O Estado de S. Paulo, onde escreve aos domingos, e do site Vida Breve. Em breve, publicará a coletânea de crônicas Sonhos rebobinados, pela Arquipélago.
• Quando se deu conta de que queria ser escritor?
Acho que foi quando, menino, lendo Winnetou, me bateu inveja do Karl May.
• Quais são suas manias e obsessões literárias?
A busca de um texto em que cada frase obrigue o leitor a ler a seguinte. Texto é construção. Procuro não esquecer o que disse o Joseph Brodsky sobre o trabalho de composição literária: “O que torna uma narrativa boa não é a história em si, mas o que se segue a que”.
• Que leitura é imprescindível no seu dia-a-dia?
Cada vez mais, poesia.
• Se pudesse recomendar um livro à presidente Dilma, qual seria?
O pai dos burros, meu dicionarinho de lugares-comuns e frases feitas. Não só à Dilma: aos três poderes da República e ao povo em geral.
• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Funciono melhor de manhã bem cedo. Talvez tenha razão o Eduardo Bueno quando diz que nessa hora o clima é propiciatório porque tem menos gente pensando — o espaço da criatividade está menos poluído e atravancado…
• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Como na canção do Caetano: de noite, na cama.
• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Aquele que se fecha com o saldo de um texto que na manhã seguinte dará vontade de retrabalhar.
• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
O que chamo de soltar os cupins: conferir se cada palavra, cada vírgula justifica presença, e eliminar o que seja ornamento. Aquela lição do Hemingway: prosa é arquitetura, não é decoração de interiores.
• Qual o maior inimigo de um escritor?
A facilidade no escrever. O automatismo. Convém lembrar o tempo todo do João Cabral: “Nem deve a voz ter diarreia”.
• O que mais o incomoda no meio literário?
O vinho branco e o patê de azeitona preta das noites de autógrafos. E o que chamo de vertigem de sobreloja: aquela apoteose mental de quem mal subiu uns degraus e já se sente na cobertura do prédio mais alto. O bicho que pôs um ovo de codorna e cacareja como se tivesse desovado um de avestruz.
• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
O grandíssimo contista Antônio Carlos Viana, escondidinho lá em Aracaju, autor de O meio do mundo e outros contos, Aberto está o inferno e Cine Privê, todos lançados pela Companhia das Letras.
• Um livro imprescindível e um descartável.
Claro enigma, de Drummond. Descartável? Haja espaço para enumerar…
• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
O maneirismo. E a vontade de agradar o leitor a qualquer custo.
• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Nunca digo desta água não comerei.
• Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
Para rimar, o copo de requeijão, tomado como símbolo da vulgaridade que silenciosamente se insinua e que pode avacalhar uma relação amorosa. Rendeu uma crônica (que me rendeu algumas bordoadas, inclusive da parte de um executivo da maior fábrica de copos do Brasil…).
• Quando a inspiração não vem…
Desconfio de que essa senhora não existe. Se existe, não é como uma chama de Pentecostes baixando na cabeça do escritor. Em todo caso, é preciso fazer um ninho e estar preparado para o que vier. Anotar rapidamente o menor fiapo de ideia — até para constatar, passada a febre, que aquilo era uma bobagem. Ou não. O que não vale é não anotar e depois ficar lamentando a perda de uma ideia genial.
• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
F. Scott Fitzgerald. Mas tenho a impressão de que ele iria contrapropor um Martini duplo. Eu aceitaria.
• O que é um bom leitor?
Aquele que, dotado de sensibilidade e inteligência, esteja disposto a ouvir o que o autor tem a dizer.
• O que te dá medo?
Perder a capacidade de escrever. A literatura não perderia nada — mas eu perderia tudo.
• O que te faz feliz?
A constatação de que naquele momento eu cheguei ao ponto extremo das minhas possibilidades — para daí a pouco me dar conta de que ainda posso esticar um pouco mais a corda.
• Qual dúvida ou certeza guia seu trabalho?
Dúvidas, muitas. E a certeza de que, na minha pequenez, não posso fazer outra coisa.
• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Estou o tempo todo tentando escrever alguma coisa que eu gostasse de ler.
• A literatura tem alguma obrigação?
Um preço a pagar é o trabalho diário, ainda que seja para ao final da jornada ter apenas mudado uma vírgula de lugar.
• Qual o limite da ficção?
Talvez não haja. Mas vejo o realismo como inimigo da ficção.
• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Ao Eduardo Suplicy, meu senador. Os dois se entenderiam bem.
• O que você espera da eternidade?
Que ela não dure além da conta.