Para Sheyla Smanioto, a escrita é algo que “se sente”. Que está em plena sinergia com os movimentos e os estímulos do corpo. “Eu sento diante do texto e se meu corpo enrijecer, algo precisa ser modificado. Então, mexo dentro da carne do texto, com calma e ouvindo sempre o coração do que já foi escrito”, diz sobre seu método de escrita.
Ela se define como “praticante de escrita e de outras artes oraculares” e acredita que o maior inimigo do escritor é o neoliberalismo.
Nascida em Diadema, no ABC paulista, em 1990, Sheyla venceu o Prêmio Sesc de Literatura e o Prêmio Machado de Assis da Biblioteca Nacional com seu romance de estreia, Desesterro. O livro ainda foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura.
Ela gostaria de tomar um café com a americana Toni Morrison e cita Pedro Páramo, do mexicano Juan Rulfo, como um “livro imprescindível”. Em 2020, Sheyla lançou seu segundo romance, Meu corpo ainda quente.
• Quando se deu conta de que queria ser escritora?
Foi um arrepio na espinha em 31/12/2006.
• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Eu sento diante do texto e se meu corpo enrijecer, algo precisa ser modificado. Então, mexo dentro da carne do texto, com calma e ouvindo sempre o coração do que já foi escrito. Se o coração parar de bater, Ctrl+Z. Se ele continuar a bater, sigo. Sigo até meu corpo relaxar e brilhar, de novo, aquele arrepio.
• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Algo que me assombre. O que em geral envolve poesia, algum romance e tarô.
• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Jair Bolsonaro, qual seria?
No momento, alguma biografia do Lula.
• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Meu corpo vivo, um caderno, alguma urgência. A inspiração me abraça por dentro. O que escrevo se revela, me surpreende. Ao fim, me sinto viva novamente.
• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Ter tomado banho e ficar esfregando os pés entre as almofadas. Poder mudar de posição quando um acontecimento irrompe da página. Eu gosto de ter uma xícara por perto, mas a verdade é que só me lembro dela quando o chá já esfriou.
• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Quando me sinto mais viva depois de escrever.
• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Tocar o mistério, dançar com os livros já escritos, sentir a morte dançando junto, me sentir mais viva. Encontrar a palavra certa, aquela que abre a porta. Ficar imaginando como vai ficar o corpo do leitor, se ele também vai sentir isso que estou sentindo, se vai sorrir e chorar e se indignar comigo.
• Qual o maior inimigo de um escritor?
O neoliberalismo.
• O que mais lhe incomoda no meio literário?
O fato de que nos parecemos tanto.
• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Entre várias, vou dizer duas que sempre me espantam: Carla Piazzi e Carla Kinzo.
• Um livro imprescindível e um descartável.
O imprescindível: Pedro Páramo. O descartável eu não terminei de ler.
• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Pra mim, a falta de ritmo. Só porque me incomoda fisicamente, então eu largo e não volto.
• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Qualquer coisa que eu escrevesse aqui me assombraria depois, prefiro não.
• Qual foi o lugar mais inusitado de onde tirou inspiração?
Acredita que nenhum lugar me veio à cabeça? Só alguns trocadilhos.
• Quando a inspiração não vem…
Eu a invoco (por um lado, não me interessa criar fora do relacionamento com a inspiração; por outro, não vejo a inspiração como um acaso, e sim como uma força que vem quando há espaço; para invocá-la uso o que o corpo pede, em geral algumas ervas e as palavras dos mortos).
• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Toni Morrison.
• O que é um bom leitor?
Aquele que existe.
• O que te dá medo?
Descobrir que, esse tempo todo, eles estavam certos e eu estava louca.
• O que te faz feliz?
Silêncio e conversas apaixonadas. Pessoas que vivem suas almas (dá pra sentir). Pés descalços. Descobrir um livro na hora certa. Encontrar a palavra certa. Presenciar o nascimento de uma obra e do que ela inaugura no mundo. Ter um sonho revelador. Viver a queda livre da inspiração.
• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
A imaginação é uma parte do corpo. Uma parte atrofiada pelo neoliberalismo, não sem motivo: sem uma imaginação saudável, sem saúde criativa, nos sentimos presos no concreto, incapazes de criar novas realidades. A literatura e a arte cuidam da terra da nossa paisagem interna, cuidam do corpo, cuidam do futuro.
• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Não enlouquecer muito. Não enlouquecer o suficiente.
• A literatura tem alguma obrigação?
Não sei, tem?
• Qual o limite da ficção?
A abstração.
• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Andrea del Fuego. Ela saberia o que fazer.
• O que você espera da eternidade?
Que ela não espere nada de mim.