🔓 No casulo da escrita

Índigo: "Para mim, dia produtivo é aquele em que avanço no número de páginas escritas, deixo um rabicho para o dia seguinte e saio com uma visão mais nítida do livro como um todo."
Índigo, escritora brasileira de literatura infanto-juvenil, jornalista e roteirista
01/12/2022

A paulista Índigo moldou sua vida a partir da atividade literária. Para se concentrar na escrita, se isolou em um sítio, onde mora. E, a exemplo de J. D. Salinger, seu lugar de criação é um chalé, afastado da casa principal. “Gosto de escrever sentada numa poltrona, com uma almofada no colo, onde apoio o laptop. Com uma manta eu crio o casulo. Quanto mais apertado o casulo, melhor”, diz.

Índigo — pseudônimo de Ana Cristina Ayer de Oliveira — se formou em Jornalismo, nos Estados Unidos, mas nunca exerceu a profissão. No final dos anos 1990, passou a publicar literatura na internet. Em 2001, deixou de lado a carreira na publicidade para se dedicar exclusivamente aos livros.

Autora de obras infantojuvenis e roteiros de filmes, ela fez do home office sua rotina muito antes de esse modelo de trabalho virar norma. “Tenho uma obsessão literária que é conseguir viver exclusivamente dos pagamentos de direito autoral.”

• Quando se deu conta de que queria ser escritora?
Depois do primeiro livro publicado. Eu ainda trabalhava com publicidade, mas não me via como publicitária, não estava nada feliz ali. Então me joguei na literatura para ver se ela me aceitava. Pensei, o pior que pode acontecer é eu ter de voltar a procurar um emprego de verdade. Nunca aconteceu. Nunca mais voltei ao “mundo corporativo”. Nunca mais tive chefe e, no dia a dia, não uso sapato.

• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Não posso conversar com estranhos antes de começar meu dia de escrita. Só escrevo de manhã. Depois que começo a escrever eu me obrigo a ficar sentada na cadeira por pelo menos uma hora, sem licença para tirar os dedos dos teclados, mesmo que eu não faça ideia do que fazer com meus personagens. Vou insistindo, tentando, até que eles começam a colaborar. Tenho uma obsessão literária que é conseguir viver exclusivamente dos pagamentos de direito autoral.

• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Ficção. Estou sempre lendo romances de ficção.

• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Jair Bolsonaro, qual seria?
A teta racional, de Giovana Madalosso, para que ele tenha melhores referências do que é uma mulher.

• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Para escrever eu preciso me isolar e me enfiar num casulo. Por isso vim morar num sítio. Escrevo num chalé, afastado da casa principal. Gosto de escrever sentada numa poltrona, com uma almofada no colo, onde apoio o laptop. Com uma manta eu crio o casulo. Quanto mais apertado o casulo, melhor. Só os dedos se mexem.

• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Gosto de ler deitada no sofá, com um gato no colo. Se estiver frio e chovendo, melhor ainda.

• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Para mim, dia produtivo é aquele em que avanço no número de páginas escritas, deixo um rabicho para o dia seguinte e saio com uma visão mais nítida do livro como um todo.

• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
O mais prazeroso é quando chega naquele ponto em que a história começa a se desenrolar por conta própria, quando os personagens assumem o controle e começam a dizer coisas que eu nem imaginava. Quando dou por mim, estou rindo sozinha. Nessas horas eu me sinto uma doida varrida porque eu de fato me surpreendo com as coisas que meus dedos acabam de teclar.

• Qual o maior inimigo de um escritor?
A preguiça.

• O que mais lhe incomoda no meio literário?
Editores que não respondem emails.

• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Erica Bombardi, autora de Canto do Uirapuru e Além do deserto. Ela tem um texto que me toca. Muito sensível, ousado e surpreendente. Uma pessoa que tem domínio absoluto da construção de uma boa história.

• Um livro imprescindível e um descartável.
Imprescindível, Aqui. Neste lugar, de Maria José Silveira. Gostaria de acreditar que todos os meus livros são descartáveis no sentido que a pessoa lê e passa adiante. Tudo que eu quero é que meus livros circulem.

• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Quando o autor tenta ser engraçado.

• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Discursos de ódio.

• Qual foi o lugar mais inusitado de onde tirou inspiração?
Já tirei inspiração até de dentro da fantasia do Mickey Mouse. Sabe aqueles cabeções de pelúcia? Já usei aquele tipo de fantasia para distribuir folhetos na rua, nos meus tempos de juventude. Era fedido, abafado, claustrofóbico e, portanto, perfeito para estimular a criatividade.

• Quando a inspiração não vem…
Eu sigo escrevendo de qualquer jeito. Nunca esperei a inspiração chegar para começar a trabalhar. Começo a seco mesmo e no meio do processo ela chega. Daí é como se eu estivesse surfando. É delicioso, fácil. É quase uma brincadeira. Depois ela vai embora e eu continuo, confiando que ela voltará. Mas também tenho alguns truques. Aguar plantas sempre me ajuda a ter ideias. Podar, adubar a terra, varrer folhas. Não é à toa que moro num sítio. Sair da frente do computador é extremamente saudável para a criatividade.

• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Adoraria tomar um café com Paulo Coelho. De preferência, na casa dele.

• O que é um bom leitor?
Um bom leitor é aquele que consegue falar a respeito do que leu. Isso parece básico, mas é algo cada vez mais raro. Um bom leitor consegue apontar camadas que nem a própria autora ou autor percebeu.

• O que te dá medo?
Psicodrama.

• O que te faz feliz?
O sol aquecendo minha pele. O fogo da lareira. Um dia livre para poder ficar horas e horas cuidando do jardim. Acompanhar o desenvolvimento de uma planta que estou cultivando. Colher alimentos que eu mesma plantei. Estou sempre fazendo alguma coisa. Não consigo ficar parada. Concluir coisas me deixa extremamente feliz. Concluir um texto, concluir a arrumação da casa, concluir a limpeza de um canteiro. Felicidade para mim é encerrar o dia tendo feito tudinho que me propus a fazer.

• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
A dúvida é sempre se vou conseguir chegar ao fim do texto e, caso chegue, se vai agradar a leitora cricri que habita em mim. A certeza é que eu sempre vou escrever. Com editora ou sem, com leitores ou sem, com recursos ou sem. A escrita é uma necessidade artística. Se ela vira produto, lindo. Mas esse nunca é o ponto de partida.

• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Seduzir. A escrita é um jogo de sedução. É um flerte. Quando escrevo, tenho consciência de por onde vou fisgar o leitor ou a leitora. Atento ao ritmo, sonoridade, revelações e provocações. Trabalho para deixar o texto o mais apetitoso possível. Gosto de esconder informações, sacanear, chocar.

• A literatura tem alguma obrigação?
A literatura precisa chegar ao ponto em que nos reconhecemos nos personagens. Ela é um caminho para chegar na humanidade bruta, naquela revelação que chega a assustar de tão autêntica que é.

• Qual o limite da ficção?
A ficção é um universo em expansão. Sempre indo além, nunca chega ao seu limite.

• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Greta Thunberg. Acho que ela é a pessoa mais capacitada para conversar civilizadamente com um ET.

• O que você espera da eternidade?
Quanto ao ambiente, espero que as nuvens sejam fofinhas e secas, que a temperatura seja agradável e que eu possa voar. Quanto às companhias, espero que tenham atingido um grau mínimo de elevação espiritual. Espero que a música seja boa. Também gostaria de ter passe livre para interferir em assuntos terrenos. Gostaria de ficar na fronteira, entre lá e cá. Acho que eu daria uma boa hostess.

Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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