A trajetória literária do autor paulistano Tiago Ferro não foi calculada. Sem nunca ter pensado em ser escritor, começou a pôr palavras no papel. “Não diria que há prazer na escrita. Para mim é um processo de muita intensidade, o que está longe de ser agradável”, conta. Hoje, é guiado pelas dúvidas — “o motor de tudo” — e se alimenta dos incômodos para elaborar seus textos. Em 2018, lançou seu primeiro romance, O pai da menina morta. É um dos fundadores da editora digital e-galáxia e da revista Peixe-Elétrico. Já publicou ensaios sobre cultura nas revistas Piauí e Cult e no Suplemento Pernambuco.
• Quando se deu conta de que queria ser escritor?
Nunca havia pensado em ser escritor. Apenas comecei a escrever.
• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Só vou ao computador quando já “escrevi” parágrafos completos na minha mente. Costumo ficar muito mais tempo nesse processo de “escrita mental” do que teclando.
• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Estou estudando a obra do crítico Roberto Schwarz no doutorado em história na FFLCH-USP. Por isso não passo um dia sem ler algo relacionado à pesquisa: Escola de Frankfurt, ideologia, crítica machadiana, Brasil escravocrata. Esses são os grandes blocos temáticos.
• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Jair Bolsonaro, qual seria?
Recomendaria que ele renunciasse.
• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Escrevo do jeito que dá. Não sei se existe uma situação externa ideal que torne a escrita mais fácil.
• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Silêncio total. O que nem sempre é possível na Vila Madalena.
• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Não consigo relacionar muito bem a ideia de produtividade no trabalho com escrita. Um dia sem escrever nada pode ser produtivo para a escrita de um livro ou ensaio? Penso que sim.
• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Não diria que há prazer na escrita. Para mim é um processo de muita intensidade, o que está longe de ser agradável.
• Qual o maior inimigo de um escritor?
Não ser lido.
• O que mais lhe incomoda no meio literário?
A falta de mais debate crítico.
• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Machado de Assis. Ainda há muito a ser descoberto na obra toda.
•Um livro imprescindível e um descartável.
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. É imprescindível que seja lido diversas vezes ao longo da vida. Não indicaria um livro que não tenha gostado.
• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Querer colocar de forma consciente suas próprias convicções políticas na boca de um personagem. Pode funcionar para um panfleto, nunca para a ficção.
• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Só vou descobrir quando parar de escrever.
• Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
Do golaço do Maradona contra a Inglaterra na Copa de 86.
• Quando a inspiração não vem…
Meus textos nascem muito mais de incômodos. Do atrito com a realidade é que surgem as ideias. E elas estão sempre por aqui. Mas nem todas merecem ser elaboradas.
• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Não recusaria um café com o Chico Buarque.
• O que é um bom leitor?
Não sei.
• O que te dá medo?
Enterrar as pessoas que eu amo.
• O que te faz feliz?
Os meus.
• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
As milhares de dúvidas são o motor de tudo.
• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Não pensar em nada além da escrita.
• A literatura tem alguma obrigação?
Nenhuma.
• Qual o limite da ficção?
A arte não tem limites, mas sim um compromisso em questioná-los.
• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Hoje: Marx, Millôr e Dylan.
• O que você espera da eternidade?
Que exista.