Inspiração no cotidiano

Sabina Anzuategui: "Cresci apaixonada por livros, achando escritores pessoas especiais. Foi meio chocante descobrir que são pessoas como as outras"
Sabina Anzuategui, autora de Luciana e as mulheres
30/05/2020

A curitibana radicada em São Paulo Sabina Anzuategui foi atormentada pela ideia de escrever ficção desde cedo, com 12 ou 13 anos de idade. Se todo o processo lhe era sofrido no início, hoje escreve com prazer — por mais que veja a si mesma como sua maior inimiga. Como romancista, publicou Calcinha no varal (2005), O afeto ou caderno sobre a mesa (2012) e Luciana e as mulheres, lançado no ano passado. Doutora em audiovisual, escreveu a tese O grito de Jorge Andrade: a experiência de um autor na telenovela brasileira da década de 1970 (2013) e é roteirista dos filmes Jogo das decapitações (2013), Como esquecer (2010), A casa de Alice (2007) e Desmundo (2003), entre outros.

• Quando se deu conta de que queria ser escritora?
Foi cedo, com uns 12 ou 13 anos. Virou uma ideia fixa que me atormentava, porque eu não conseguia escrever nada que parecesse literatura.

• Quais são suas manias e obsessões literárias?
As palavras “talvez” e “meio” são meus defeitos de personalidade. Quando escrevo a primeira versão, minhas frases ficam cheias de “talvez”, atenuando as afirmações. Depois limpo quase tudo. Também tenho obsessão com datas e detalhes, é meu jeito de pensar, preciso prestar atenção para os personagens narradores não repetirem esse vício.

• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Sou uma leitora de romances. Leio pouca poesia, ciências humanas ou crítica literária. São assuntos que me interessam, mas, na hora de escolher, penso em quantos romances clássicos ainda não li, e continuo com eles.

• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Jair Bolsonaro, qual seria?
O quarto de Giovanni, de James Baldwin.

• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Duas horas de tempo livre e a mente descansada.

• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Leio muito quando tenho insônia. Gosto de ler de madrugada, em silêncio.

• O que considera um dia de trabalho produtivo?
A maior satisfação é acertar o que é verdade no universo do livro. Às vezes, ao começar um texto, vou escrevendo páginas e frases que lá no fundo sei que não estão certas. Mas sigo em frente porque não sei o que seria melhor. Na revisão, quando consigo perceber o que é verdadeiro ou não, mesmo que seja só um parágrafo, considero que o dia foi produtivo.

• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Quando eu era mais nova, tudo era sofrido. Hoje consigo escrever com prazer: pesquisar detalhes, cenários e vocabulário para as personagens, pensar na história, compor as frases, revisar. É um trabalho demorado, mas prazeroso.

• Qual é o maior inimigo de um escritor?
No meu caso, acho que eu mesma. Assumo o peso das minhas frustrações e é cansativo. Por exemplo, em vez de reclamar “as pessoas não leem”, acabo pensando “você se ilude ao pensar que as pessoas leriam” ou “pessoas querem ler coisas que você não conseguiria escrever”.

• O que mais lhe incomoda no meio literário?
Cresci apaixonada por livros, achando que escritores e editores eram pessoas especiais. Foi meio chocante descobrir que são pessoas como as outras. Por exemplo, amores literários não são recíprocos. Você pode adorar o livro de alguém, mas isso não significa que ele/a se interessará pelo seu.

• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Patrícia Galvão, a Pagu.

• Um livro imprescindível e um descartável.
Imprescindível: A rosa do povo, de Carlos Drummond. Um que descartei foi Pornopopeia, de Reinaldo Moraes.

Amores literários não são recíprocos. Você pode adorar o livro de alguém, mas isso não significa que ele/a se interessará pelo seu.

• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Lugares comuns e frases feitas (a não ser, claro, que sejam usados com ironia).

• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Pensei alguns minutos e não consegui achar nada proibido. Acho que quase tudo poderia aparecer, não como tema central, mas pelo menos como caracterização de alguma personagem.

• Qual foi o canto mais inusitado de onde tirou inspiração?
Os cantos inusitados são os melhores! Difícil é achar inspiração nos hábitos diários.

• Quando a inspiração não vem…
Gosto de espiar os interiores de casas e apartamentos em sites de imobiliária.

• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Mario Levrero. Dizem que era uma figura.

• O que é um bom leitor?
O leitor que entusiasma os outros a lerem.

• O que te dá medo?
Viajar de carro na estrada.

• O que te faz feliz?
Café com bolo à tarde.

• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
A dúvida se consigo escrever algo tão bom quanto os livros que mais admiro.

• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Que o resultado fique bom, bonito e verdadeiro.

• A literatura tem alguma obrigação?
Não.

• Qual o limite da ficção?
O limite da capacidade do autor.

• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Sou péssima para indicações. Quando me perguntam alguma direção na rua, muitas vezes indico o caminho errado, mesmo tentando acertar.

• O que você espera da eternidade?
Eu adoraria saber o que existe além do universo que conhecemos. Seria incrível entender além da dimensão humana.

Luciana e as mulheres
Sabina Anzuategui
Quelônio
232 págs.
Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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