Para Flávio Izhaki, não há assunto que não lhe interesse em termos de ficção. Todo tema é um tema em potencial para sua prosa. “Eu que nunca pensei em escrever uma distopia, escrevi uma por necessidade”, diz o autor carioca que em 2022 lançou o romance Movimento 78. O livro parte de uma família, em seu passado recente e futuro próximo, para esmiuçar como a vida da próxima geração será bem diferente da nossa. “Todo assunto pode eventualmente me interessar literariamente.”
O livro traz mais uma vez um tópico que o próprio autor pontua como uma “obsessão” em seu trabalho: o retrato familiar. “Os meus livros, de uma maneira ou de outra, acabam rondando em torno desse tema, direta ou indiretamente.”
Nascido em 1979, Izhaki é autor ainda dos romances De cabeça baixa (Guarda-chuva, 2008), Amanhã não tem ninguém (Rocco, 2013) — eleito pelos jornais O Globo e Estado de S. Paulo como um dos melhores romances brasileiros do ano — e Tentativas de capturar o ar (Rocco, 2016), finalista do Prêmio São Paulo de Literatura.
Sobre o método de trabalho em seus romances e contos, diz que a inspiração como ideia “interessa menos do que a imersão”. “Com ou sem inspiração, releio todo o livro que escrevi até ali para entrar no clima do romance novamente, recuperar a dicção, o ritmo, o pensar de cada personagem.”
Além de romancista, Izhaki também participou de diversas antologias de contos, entre elas Prosas cariocas (Casa da Palavra, 2004), Primos — histórias da herança árabe e judaica (Record, 2010) e Wir sind bereit (Lettrétage, 2013), a última delas lançada em alemão por ocasião da Feira de Frankfurt em 2013.
• Quando se deu conta de que queria ser escritor?
Nunca tive esse momento epifânico em que me dei conta de que gostaria de ser escritor. Lia, depois escrevia. Quando publiquei um conto, depois dois, foi mais susto que realização.
• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Minha obsessão literária talvez seja família. Os meus livros, de uma maneira ou de outra, acabam rondando em torno desse tema, direta ou indiretamente. Diria que a polifonia talvez seja uma obsessão, embora alguém possa enxergar como mania.
• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Passo o dia todo lendo. A ficção entra como um respiro, a possibilidade de furar minha própria bolha do cotidiano.
• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Lula, qual seria?
Indicar um livro é um uma relação tão pessoal. Penso que levá-lo a uma pequena biblioteca e deixar que ele lesse quartas capas e orelhas com tempo e escolhesse por si só seria mais proveitoso.
• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Eu trabalho em casa há quase vinte anos. Antes eu conseguia mudar o registro em uma manhã livre, numa noite, enquanto minhas filhas brincavam. Hoje em dia não consigo mais. Então essa pergunta para mim tem resposta diferente agora do que eu daria há dez anos, por exemplo, ou darei daqui a outros cinco. Hoje em dia minha resposta é: o ideal seria escrever quando estou de férias. Ou melhor ainda: se não estivesse trabalhando.
• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Nesse caso não preciso de circunstâncias ideais para leitura. Qualquer sofá, cama ou cadeira serve. Só preciso de tempo. E não estar cansado. Ler antes de dormir para mim não vale.
• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Prefiro não ligar literatura à palavra produtivo. Dito isso, depende muito de que ponto do livro estou. Pode ser escrever duas páginas ou revisar um capítulo. Pensar sobre uma personagem antes de escrever sobre ela.
• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Reler depois de um tempo o que escrevi e reencontrar no papel a ideia realizada, o ritmo. Mas só vale enquanto o livro é ainda romance (conto) em progresso. Depois de publicado, não tenho mais prazer em reler.
• Qual o maior inimigo de um escritor?
Ter amigos demais dando-lhe tapinhas nas costas ou amigos de menos para que evitem que publique livros que ainda não estão prontos.
• O que mais lhe incomoda no meio literário?
Como o meio literário é na verdade um mercado literário, que segue ondas e modelos até o esgotamento.
• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
André de Leones.
• Um livro imprescindível e um descartável.
Não gosto da ideia de livro imprescindível. A literatura é múltipla e cresce nas dúvidas, não no dogma.
• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Um livro de tijolos aparentes, quando está claro que o autor quer vender sua tese de vida embalada em ficção.
• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Eu que nunca pensei em escrever uma distopia, escrevi uma por necessidade. Então acho que minha resposta seria todo assunto pode eventualmente me interessar literariamente.
• Qual foi o lugar mais inusitado de onde tirou inspiração?
Numa cadeira de acupuntura. Embora aqui pense mais num momento que usei bastante para pensar num livro, não ter tirado inspiração das agulhadas em si.
• Quando a inspiração não vem…
Com ou sem inspiração, releio todo o livro que escrevi até ali para entrar no clima do romance novamente, recuperar a dicção, o ritmo, o pensar de cada personagem. A inspiração como ideia me interessa menos do que a imersão.
• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
J. M. Coetzee.
• O que é um bom leitor?
Quem tenta ler com olhos de outro.
• O que te dá medo?
A ideia de que o meu próprio corpo pode me matar.
• O que te faz feliz?
Andar na rua com as minhas filhas.
• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
A literatura é fundada na dúvida. E ela não caminha para a certeza, mas para outras dúvidas.
• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Não ser repetitivo.
• A literatura tem alguma obrigação?
Causar incômodo, questionar.
• Qual o limite da ficção?
A ficção não deveria ter limite.
• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
ET, líder… Levaria a um bloco de Carnaval e entregaria uma long neck. Esse ET está precisando.
• O que você espera da eternidade?
Que seja breve.