Silvana Tavano descobriu cedo que os livros seriam sua primeira pátria. Filha única, só entrou na escola aos 7 anos, já cercada de amigos de papel: José Mauro de Vasconcelos, Monteiro Lobato e Júlio Verne. Desde então, a leitura se tornou exercício de imaginação e também de vida.
Jornalista formada pela Escola de Comunicações e Artes da USP, Tavano passou quase três décadas em redações até que a literatura, sempre presente, se impôs. De lá para cá, construiu uma sólida trajetória na literatura infantil e juvenil, com mais de 30 livros publicados no Brasil e no exterior, títulos chancelados pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) com o selo Altamente Recomendável, além de prêmios importantes, como o João de Barro de Literatura para Crianças e Jovens. Em 2013, seu Psssssssssssssiu! (Callis) recebeu também o selo White Ravens, distinção da Biblioteca Internacional da Juventude de Munique. Já em 2022, Sonhozzz (Salamandra), escrito em parceria com Daniel Kondo, conquistou o Jabuti de Literatura Infantil.
Aos poucos, a autora arriscou-se no terreno da ficção para adultos. O primeiro romance, O último sábado de julho amanhece quieto (Autêntica), foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura em 2023. No ano seguinte, publicou Ressuscitar mamutes, semifinalista do Oceanos 2025.
A escritora que anota à margem dos livros, relê finais que a marcaram e mistura poesia, ensaio e ficção em suas leituras diárias mantém uma certeza: ainda há muito a aprender.
Neste Inquérito, Silvana revela a disciplina e a entrega que moldam seu ofício. Conta que um bom dia de trabalho nasce de uma ideia ou de um parágrafo persistente. Que escrever é surpreender-se com o caminho da história, nunca sucumbir à vaidade e, sobretudo, recusar panfletarismos ou lições de moral. Para ela, limite é palavra que não cabe na ficção. Talvez por isso seus livros se movam entre o rigor da forma e a liberdade da invenção, entre a simplicidade de um pão com manteiga e o assombro diante da morte. Ler, para Tavano, é necessidade vital; escrever, um modo de descobrir-se.
• Quando se deu conta de que queria ser escritora?
Se o sonho dá conta de alguma coisa, então isso aconteceu bem cedo. Não tinha irmãos e só fui para a escola aos 7 anos, depois de ter lido muitos livros — José Mauro de Vasconcelos, Monteiro Lobato e Júlio Verne foram os meus primeiros amigos. Com aquelas histórias eu brincava de imaginar, e acho que o desejo de escrever já estava lá.
• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Grifar e anotar nas margens dos livros que estou lendo. Listar os títulos lidos de janeiro a dezembro de cada ano. Intercalar clássicos e contemporâneos. Volta e meia reler as páginas finais de livros que me marcaram. Ler em livrarias. E ler gêneros diferentes ao mesmo tempo — um ótimo mix é poesia na cabeceira, ficção nas horas livres, e ensaio nos períodos de estudo ou de trabalho.
• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
A que estiver em curso — ler é imprescindível. Mas lembro d’O livro do travesseiro, de Sei Shônagon, que gosto de abrir ao acaso, como uma espécie de oráculo, nem todos os dias, mas há muitos anos.
• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Lula, qual seria?
A era do capital improdutivo, de Ladislau Dowbor.
• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Ao redor, tranquilidade; por dentro, urgência.
• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Uma poltrona confortável, horas livres e silêncio.
• O que considera um dia de trabalho produtivo?
O que me traz uma ideia. Ou um primeiro parágrafo. Ou uma página que continuo achando boa no dia seguinte.
• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Perceber que, a certa altura, a história começa a se contar enveredando por caminhos que eu não tinha imaginado, e me surpreender com o que a escrita me revela sobre o mundo e sobre mim mesma.
• Qual o maior inimigo de um escritor?
A vaidade.
• O que mais lhe incomoda no meio literário?
A vaidade.
• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Carla Piazzi, Flávia Braz, Fernando Rinaldi, Júlia Barandier.
• Um livro imprescindível e um descartável.
Não dá para eleger um único livro imprescindível. Felizmente são muitos, e de todos os gêneros: O deserto dos tártaros, de Dino Buzzati; Stoner, de John Willians, Altos voos e quedas livres, de Julian Barnes; O verão dos homens adultos, Victor Heringer; todos os da Adélia Prado, e haveria muitos outros nessa lista. Já os descartáveis, a memória descartou.
• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Tentar ensinar seja lá o que for, explicar demais, ser confortável no sentido de não provocar nenhum tipo de incômodo. E (pensando em títulos estrangeiros) uma tradução ruim.
• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Nunca é muito tempo. Assuntos que hoje passam longe do meu radar talvez me capturem amanhã, quem sabe? Só quero que a curiosidade não me abandone… nunca.
• Qual foi o lugar mais inusitado de onde tirou inspiração?
De uma perna balançando sem parar na poltrona ao lado da minha, na sala de espera do dentista. Mais recentemente, de um termômetro no semáforo marcando 39 ºC, às 13h, em São Paulo.
• Quando a inspiração não vem…
Leio.
• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Lygia Fagundes Telles. Além do café, ofereceria um cálice de vinho do Porto, como ela costumava fazer depois das entrevistas. Também gostaria demais de convidar Natalia Ginzburg; maravilhoso mesmo seria tomar esse café papeando com as duas.
• O que é um bom leitor?
O que lê com prazer.
• O que te dá medo?
Viajar de avião, a morte das pessoas que amo, qualquer doença que me impeça de escrever.
• O que te faz feliz?
Estar perto da minha família, das amigas, dos amigos e dos meus gatos. Banho de mar, pão com manteiga, chocolate.
• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
A certeza de que continuo tendo muito o que aprender.
• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Encontrar as palavras que podem dar forma a certa ideia e ouvir o clique que só acontece quando tudo se encaixa. A segunda maior preocupação: torcer para que o leitor também escute (ou sinta) esse clique.
• A literatura tem alguma obrigação?
A obrigação de passar longe do panfletário, da mesmice e das lições de moral.
• Qual o limite da ficção?
Limite é uma palavra que não cabe na ficção.
• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Ao Pedro Vinicio. Mas também convidaria o ET para passar uma tarde na praia: não é um “líder”, mas o mar me inspira de muitas maneiras.
• O que você espera da eternidade?
Sossego e todo o tempo do além-mundo para ler os livros que não dei conta nesta vida.