Enquanto os dentes, livro de estreia de Carlos Eduardo Pereira, lançado em 2017, foi celebrado por trazer uma nova e interessante voz à literatura contemporânea brasileira. Na história de cunho autobiográfico, Antônio, um cadeirante negro de classe média, volta à casa da sua infância e reencontra o pai, homem severo que não via há mais de 20 anos.
Finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, o breve, porém intenso romance, deu o start para a carreira bem-sucedida de Pereira até aqui.
Citado por Carola Saavedra em uma edição do Inquérito, ele diz que o elogio foi determinante para querer se tornar escritor. “Desde então venho tentando não a decepcionar demais.”
E agora que está do outro lado balcão, qual escritor ele indicaria para que os leitores “prestassem mais atenção”?
“Gosto muito do trabalho do Paulo Vicente Cruz, autor de Enquanto os gigantes dançam”, diz. “Ele tem uma escrita elegante e precisa, além de uma sensibilidade admirável na observação de questões sociais importantes.”
Em 2022, Pereira publicou seu segundo romance. Agora agora traz novamente um drama familiar, mas desta vez vivido por três gerações de homens chamados Jorge: o avô, o filho e o neto.
E assim, com romances que desnudam dramas reais — do racismo às relações fragmentadas entre parentes —, o escritor carioca vem buscando “conexões com o leitor” — o que acredita ser uma das premissas da literatura.
• Quando se deu conta de que queria ser escritor?
Não sei bem, mas é possível que tenha sido aqui mesmo na seção Inquérito, uns bons anos atrás, quando a Carola Saavedra generosamente mencionou meu nome como um autor em quem se deveria prestar mais atenção. Desde então venho tentando não a decepcionar demais.
• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Eu não tenho manias (o que quer dizer que devo ter várias manias, tantas que parecem nenhuma), já obsessão acho que é aquilo de reescrever, reescrever, reescrever até que alguém me diga olha, Carlos, o prazo acabou, né, precisa entregar o texto logo e tal.
• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Não sei dizer, eu leio quando posso, leio o que consigo, o meu dia a dia tem uma boa dose de caos e aleatoriedade, o que pode ser tão problemático quanto divertido.
• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Lula, qual seria?
Lula, Volume 1, do Fernando Morais.
• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Acho que isso nem existe.
• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
O silêncio.
• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Quando consigo escrever um parágrafo, uma frase, que pareça fazer algum sentido.
• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
O trabalho com a linguagem, costumo reescrever inúmeras vezes os textos que me proponho a produzir.
• Qual o maior inimigo de um escritor?
O umbiguismo.
• O que mais lhe incomoda no meio literário?
Uma brodagem queridista que parece dar mais valor ao ser do que ao fazer.
• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Gosto muito do trabalho do Paulo Vicente Cruz, autor de Enquanto os gigantes dançam (Quelônio, 2021). Ele tem uma escrita elegante e precisa, além de uma sensibilidade admirável na observação de questões sociais importantes.
• Um livro imprescindível e um descartável.
A leitura imprescindível é sempre a próxima, e os livros descartáveis desconfio de que sejam aqueles que não provoquem nenhuma reação no leitor, os que não gerem nenhum tipo de reflexão.
• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Acho uma pena quando em dado momento da leitura de um livro se percebe que, talvez de forma não intencional, a voz do narrador é substituída pela voz do autor como que defendendo uma tese qualquer.
• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Desconheço. Acredito que qualquer assunto pode ser abordado, desde que faça sentido na trama proposta.
• Qual foi o lugar mais inusitado de onde tirou inspiração?
Uma bula de remédio.
• Quando a inspiração não vem…
Eu escrevo mesmo assim.
• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Eu ia curtir trocar uma ideia com o César Aira.
• O que é um bom leitor?
Aquele que não lê procurando no texto aquilo que ele gostaria que estivesse escrito.
• O que te dá medo?
Puxa, tanta coisa.
• O que te faz feliz?
Puxa, tanta coisa.
• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
Certeza nenhuma, dúvidas todas.
• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Fugir das mesóclises.
• A literatura tem alguma obrigação?
Tem sim, a de buscar conexões com o leitor.
• Qual o limite da ficção?
Tem isso?
• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
À minha filha Alice.
• O que você espera da eternidade?
Nada.