Xico Sá é um cronista raiz. Daqueles que precisam parir um texto por dia, sempre com o prazo mordendo os calcanhares. Seus textos espirituosos vêm povoando a imprensa brasileira desde os anos 1990, quando ainda era um intrépido repórter investigativo.
Os tempos de reportagem ficaram para trás e há anos Xico vem se dedicando apenas à literatura. Além de cronista, é autor dos romances Big Jato e A falta, que surgiu enquanto o escritor assistia a um jogo de futebol no estádio Zerão, em Macapá. Foi o lugar mais inusitado de onde o autor tirou uma ideia, conforme confessa neste Inquérito. “Aquele campo é dividido pela linha do Equador, um goleiro fica no hemisfério sul e o outro no norte”, diz.
A rotina nas redações o treinou para “escrever até com uma faca no pescoço”. “Não preciso de maiores luxos, às vezes o silêncio até atrapalha.”
Nascido no Crato (CE), Xico começou a carreira de jornalista no Recife. Foi colunista da Folha de S. Paulo e do El País. Na televisão, fez parte dos programas Notícias MTV, Cartão Verde (Cultura), Amor & Sexo (Globo), Redação Sportv e Papo de Segunda (GNT). Atualmente, escreve crônicas no Diário do Nordeste.
• Quando se deu conta de que queria ser escritor?
Continuo querendo, hei de alcançar a graça infinita. A espoleta foi a leitura de Graciliano Ramos, uma imagem de um vaso de louça cheio de pitomba (no Infância) e aquela coisa de gente ser bicho e bicho ser gente em Vidas secas. Ué, literatura pode ser como a existência aqui nos meus arredores? Isso pegou.
• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Esmagar insetos na tela branca do computador. Antes era na página de papel ofício na máquina de escrever. Há sempre uma formiga, um siriri, uma aleluia ou cupim de lâmpada passeando sobre a falta de ideias ou palavras. Parecem mensageiros obsessivos do Bartleby: “prefiro não, melhor não escrever”.
• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Por ganhar a vida como cronista de jornais/portais, o noticiário é obrigatório, a começar pelo futebol. Por prazer, sempre uma ficção no resto do dia. A do momento é Filho de Jesus, de Denis Johnson.
• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Lula, qual seria?
Depois que o Brasil acabou (Veneta), HQ de João Pinheiro. O livro relata o apocalipse bolsonarista. Interessante para quem tem a missão de reconstruir o país.
• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Uma vida nas redações, na imprensa, me treinou para escrever até com uma faca no pescoço. Não preciso de maiores luxos, às vezes o silêncio até atrapalha.
• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
De preferência na minha rede cearense azul, mas fora de casa leio na boa até na linha Consolação/Paraíso do metrô de SP.
• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Pelo volume das encomendas, tenho que escrever ao menos uma crônica por dia. Cumprir essa meta me deixa satisfeito.
• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Conseguir uma frase espirituosa em uma crônica, daquelas que podem ser repetidas por um bêbado em uma mesa de bar.
• Qual o maior inimigo de um escritor?
O bar.
• O que mais lhe incomoda no meio literário?
O escritor bêbado que se diz injustiçado — o pior é que, por algumas vezes, já fiz esse tipo.
• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
A poeta cearense Nina Rizzi. Tem letra e tutano para ser ainda mais lida no país inteiro.
• Um livro imprescindível e um descartável.
O destino das metáforas, de Sidney Rocha, é necessário, como todos desse autor. Descartável seria qualquer coisa na linha Colleen Hoover — nada contra ela, é só um modelo.
• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
Querer imitar o James Joyce ou brincar de vanguardismo demodê. É roubada.
• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
O metaverso. Literatura já é o próprio metaverso.
• Qual foi o lugar mais inusitado de onde tirou inspiração?
Um jogo de futebol no estádio Zerão, em Macapá, que me rendeu o romance A falta. Aquele campo é dividido pela linha do Equador, um goleiro fica no hemisfério sul e o outro no norte.
• Quando a inspiração não vem…
Mando o texto de qualquer jeito, minha musa é o prazo da encomenda.
• Qual escritor — vivo ou morto — gostaria de convidar para um café?
Um encontro, com uísque, ao lado do cronista pernambucano Antônio Maria seria o suficiente, aqui ou no além-bar.
• O que é um bom leitor?
O salta-página, aquele que pula a parte chata, como na obsessão do escritor argentino Macedonio Fernández.
• O que te dá medo?
A conta.
• O que te faz feliz?
Um piquenique com Larissa e os filhos Irene e Teo. Na praia ou no parque. Com ou sem sol.
• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
Há sempre a sensação de que me faltam palavras melhores.
• Qual a sua maior preocupação ao escrever?
Ser uma companhia, mesmo que às vezes desagradável.
• A literatura tem alguma obrigação?
Zero obrigação, mas se der para (pelo menos) pagar o pão e o vinho, melhor.
• Qual o limite da ficção?
O noticiário, com o qual já tenho que lidar na rotina da crônica.
• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Direto para a Glória, Glorinha, dona do cabaré mais famoso da história do Crato.
• O que você espera da eternidade?
Que demore a chegar, pois tenho Irene (filha de seis anos) pra criar.