Desacomodar sem lugar-comum

Henrique Schneider: "Escrever é difícil. Por isso, me agrada revisar, reescrever, colocar literatura no primeiro texto"
Henrique Schneider Foto: Trevo Comunicação
01/06/2023

Henrique Schneider vive no interior do Rio Grande do Sul, em Novo Hamburgo, cidade onde nasceu. Por estar longe dos grandes centros, convive pouco “com o meio literário”.

Ainda assim, mesmo distante das distrações da vida (extra) literária, sua rotina de escrita está condicionada ao seu trabalho como advogado trabalhista e sindical.

“Minha agenda no Direito não tem horário, às vezes adentro a noite em reuniões”, diz o autor do romance Setenta, que venceu o Prêmio Paraná de Literatura em 2017.

“Assim, em termos de literatura, o dia produtivo é aquele em que consigo escrever ou ao menos tomar decisões a respeito do que estou escrevendo. E se neste dia escrever algo que me agrade, melhor ainda.”

Ainda na época da faculdade, publicou seu primeiro livro, Pedro bruxo. Em 1989, com O grito dos mudos, venceu o Prêmio Maurício Rosemblatt de Romance. O livro e o prêmio lhe abriram as portas para a literatura. Foram cinco edições do livro pela L&PM, até ser publicado pela Bertrand Brasil em 2006.

Em 2003, Schneider passou a escrever a coluna semanal de contos Vida Breve, no jornal ABC Domingo. Foram mais de 600 pequenos contos publicados.

Seu mais recente romance é A solidão do amanhã, publicado em 2022 e que se passa na fronteira do Brasil com o Uruguai, país para onde o protagonista tenta fugir.

A seguir o escritor gaúcho fala mais sobre seu processo de criação, hábitos de leitura e escrita, manias e obsessões.

• Quando se deu conta de que queria ser escritor?
Aos sete anos, quando escrevi um poema sobre o Dia do Trabalhador e isso emocionou minha mãe e minha professora. Acho que foi naquela hora que eu soube — meio que ainda sem saber — que queria ser escritor.

• Quais são suas manias e obsessões literárias?
Antes, eu precisava de muito silêncio e gostava de algumas flores em minha mesa de trabalho. Mas sou advogado trabalhista e sindical e, nessa condição, minha agenda é muito cheia — o que faz com que eu escreva sempre que o tempo permitir e nas condições possíveis. Assim, em termos de mania, hoje me basta ter vinho ou café ao meu lado enquanto escrevo.

• Que leitura é imprescindível no seu dia a dia?
Romances e novelas breves. Leio sempre um ou dois por vez, junto com a leitura de algum outro gênero.

• Se pudesse recomendar um livro ao presidente Lula, qual seria?
Lula não é um mau leitor, ao contrário do terror que o antecedeu. Disse numa entrevista que, durante a prisão, lia em torno de dois livros por mês, o que é uma boa média em termos de Brasil. E para ajudar a suportar o peso intranquilo da presidência, acho que daria a ele uma antologia de poesia brasileira.

• Quais são as circunstâncias ideais para escrever?
Os dias em que consigo entrar totalmente no meu estado de escritor — ou seja, com tempo para pensar antes e me preparar para o que vou escrever.

• Quais são as circunstâncias ideais de leitura?
Algum silêncio, uma boa poltrona, vinho ou café.

• O que considera um dia de trabalho produtivo?
Minha agenda no Direito não tem horário, às vezes adentro a noite em reuniões. Assim, em termos de literatura, o dia produtivo é aquele em que consigo escrever ou ao menos tomar decisões a respeito do que estou escrevendo. E se neste dia escrever algo que me agrade, melhor ainda.

• O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?
Escrever é difícil. Por isso, me agrada revisar, reescrever, colocar literatura no primeiro texto. Mas talvez o que me dê maior prazer é mesmo ter escrito.

• Qual o maior inimigo do escritor?
No meu caso, a preguiça.

• O que mais lhe incomoda no meio literário?
Em termos gerais, o pouco espaço que temos para a crítica. Em termos pessoais, não tenho incômodo maior. Meu cotidiano é o da advocacia trabalhista e sindical. Além disso, vivo e escrevo numa cidade do interior (Novo Hamburgo), distante dos centros literários. Desse modo, convivo tão pouco no meio literário — e nas vezes em que convivo é mais para ver ou rever amigos —, que não tenho nem como me incomodar.

• Um autor em quem se deveria prestar mais atenção.
Esta é uma pergunta delicada, em que a gente pisa em ovos pra responder, porque a pessoa que pensamos homenagear com a resposta pode, ao contrário, considerá-la demeritória. É uma pergunta que mexe com vaidades, melhor deixar assim. Vá lá entender a natureza humana!

• Um livro imprescindível e um descartável.
Cem anos de solidão, do Gabriel García Márquez, é um livro ao qual retorno de tempos em tempos. Os descartáveis são aqueles de fórmula pronta, que buscam o entretenimento e nada mais.

• Que defeito é capaz de destruir ou comprometer um livro?
O tom muito panfletário e o mais do mesmo.

• Que assunto nunca entraria em sua literatura?
Ficção científica ou distopias futuras. Não porque os temas não me atraiam, mas por absoluta falta de domínio sobre eles.

• Qual foi o lugar mais inusitado de onde tirou inspiração?
Escrevo — ou ao menos anoto ideias — em qualquer lugar, alguns deles pouco inspiracionais: sala de audiências, em meio a consultas em plantões, cafés enquanto aguardo algum compromisso.

• Quando a inspiração não vem…
Sento e escrevo mesmo assim, a não ser que esteja muito cansado. Como disse Pablo Picasso, “la inspiración existe, pero tiene que encontrarte trabajando”.

• Qual escritor – vivo ou morto – gostaria de convidar para um café?
Alguém que não ficasse o tempo inteiro falando apenas sobre literatura.

• O que é um bom leitor?
Aquela pessoa para quem a leitura seja uma possibilidade de mudança. Ou seja: alguém que está aberto para o livro que lê.

• O que te dá medo?
A decadência. Morrer antes de estar preparado para isso.

• O que te faz feliz?
Sou muito simples para a felicidade e a vida tem sido generosa comigo. Amores, filhos, algumas viagens, dias tranquilos — é mais do que suficiente.

• Qual dúvida ou certeza guiam seu trabalho?
Sempre que decido contar uma história, decido também a história que não será contada. Então, ao longo do processo da escritura, muitas vezes me pergunto se alguém se interessará sobre o que estou contando e se não seria melhor ter escolhido a história que decidi não contar. Por outro lado, quando chega esta dúvida, mais e mais me decido a fazer com que a história escolhida valha a pena.

• Qual sua maior preocupação em escrever?
Achar a palavra correta, encontrar o ritmo certo da frase, e tentar fugir do lugar-comum.

• A literatura tem alguma obrigação?
Ricardo Piglia comentou que a obrigação do escritor é dizer bem. E eu agrego, dizendo que, se possível, ela também deve desacomodar.

• Qual o limite da ficção?
É o mesmo limite da força criadora de quem escreve.

• Se um ET aparecesse na sua frente e pedisse “leve-me ao seu líder”, a quem você o levaria?
Na verdade, não sei. Mas imagino que um ET que consiga viajar milhões de quilômetros para chegar à Terra numa nave de altíssima tecnologia já sabe com quem falar.

• O que você espera da eternidade?
Escrevi um conto em que o personagem descobre a fórmula da imortalidade. E então, nos 500 anos que passam, ele vê seus amores morrerem tantas e tantas vezes, deixando cicatrizes de dor que ele, imortal, sabe que serão para sempre. Então tenta descobrir um antídoto à imortalidade, mas só o que consegue são uns unguentos que lhe incomodam o corpo velho. Só quer morrer — e não consegue. Por isso, só o que posso esperar da eternidade é que ela seja leve.

A solidão do amanhã
Henrique Schneider
Dublinense
128 págs.
Rascunho

Rascunho foi fundado em 8 de abril de 2000. Nacionalmente reconhecido pela qualidade de seu conteúdo, é distribuído em edições mensais para todo o Brasil e exterior. Publica ensaios, resenhas, entrevistas, textos de ficção (contos, poemas, crônicas e trechos de romances), ilustrações e HQs.

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